Enquanto o Brasil registra a assustadora marca de 3,8 milhões de contaminados e 120 mil mortos por coronavírus, alguns estados, como o Ceará têm, de modo geral, conseguido estabilizar o número de ocorrências. Mas, apesar dos avanços na batalha, muitos dos efeitos da Covid seguem desconhecidos.
Casos de reinfecção estão sendo relatados mundo afora. No Brasil há, pelo menos, 21 pacientes em investigação. A situação não é motivo de pânico, ponderam profissionais da saúde. No Ceará, há condições de detecção de infecções porque a ciência e a tecnologia garantem essa possibilidade. Mas uma das restrições é o tipo de teste feito pelo paciente. Apenas os exames moleculares, chamados RT-PCR, permitem a análise. Além disso, diante de tantas incertezas, a prioridade deve ser manter os cuidados sanitários para evitar a contaminação inicial.
No dia 24 de agosto, pesquisadores em Hong Kong anunciaram a confirmação do primeiro caso no mundo de reinfecção pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2). O resultado desta pesquisa foi aceito para publicação no "Clinical Infectious Diseases", editora da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Esta condição ainda é considerada rara, e pacientes seguem monitorados em distintos países para saber as reais implicações dessa possibilidade. No Brasil, pelo menos, 21 pacientes são investigados em São Paulo e no Rio de Janeiro, por hospitais e instituições de pesquisa.
No Ceará, em julho, a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), em nota técnica, revelou a recorrência do quadro clínico de Covid-19 em seis profissionais da saúde. À época, foi informado que quatro médicos e dois técnicos de radiologia teriam reapresentado sintomas da doença depois da alta do primeiro episódio.
Na ocasião, não houve confirmação de reinfecção, mas, sim, de persistência dos sintomas. No documento, a Secretaria explicou que os achados desses casos necessitam de "investigação mais detalhada". Após a divulgação, não houve mais nenhuma publicação oficial sobre novos pacientes com sintomas persistentes. Na última semana, a Sesa foi contactada pelo SVM sobre possíveis casos de reinfecção, mas não respondeu.
Mas, o que as confirmações de reinfecção em outros países demonstram agora? É possível replicar esse tipo de análise no Ceará, para saber se há pacientes reinfectados?
Para chegar à conclusão de reinfecção, os pesquisadores de Hong Kong acompanharam o caso de um homem de 33 anos, que havia testado positivo para o coronavírus em abril, recebeu alta e, após se curar, testou novamente positivo no início de agosto. Os cientistas fizeram o sequenciamento genético das amostras de testes do paciente, ou seja, avaliaram a identidade do vírus. Com isto, é possível saber se o vírus do primeiro teste é diferente do segundo, se houve mutação ou se o mesmo vírus voltou a se manifestar.
Eles descobriram que o vírus da segunda infecção pertencia a uma linhagem diferente da primeira. Era uma mutação. Portanto, é uma reinfecção. Na segunda vez, o homem não teve sintomas.
A virologista e epidemiologista, docente da Faculdade de Medicina da UFC, Caroline Gurgel, explica que o procedimento para detectar possíveis reinfecções é padrão. O primeiro critério é garantir o armazenamento das amostras do teste de RT-PCR do paciente, pois, só assim é possível comparar o resultado do primeiro com os demais exames.
Além disso, o biomédico e virologista Mário Oliveira, reitera: para que seja detectada reinfecção é preciso realizar obrigatoriamente, ao menos, três testes. Pois um pode atestar que há infecção, outro que ela desapareceu e um terceiro apontar a reinfecção.
Testagem
O Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen), afirma Caroline, "utiliza protocolo de reconhecimento mundialmente para trabalhar com vírus respiratórios" e essas amostras utilizadas nos testes, geralmente, são refrigeradas e armazenadas a -80ºC e não têm prazo de validade. "Daqui a 20 anos, ainda é possível trabalhar com essas amostras", completa. Isto, garante, em tese, a primeira condição para a análise de casos de reinfecção no Ceará. Mas, o tipo de exame feito pelo paciente também afeta esta possibilidade.
"Para comprovar que há uma reinfecção é preciso ter feito PCR. É a única forma de comprovar de fato que existe material genético naquele organismo. Se você fizer o teste sorológico ele comprova que se tem anticorpos, ou seja, que houve contato com aquele micro-organismo, mas não diz em quanto tempo. No PCR você consegue quantificar, saber a carga viral daquele indivíduo, saber o quanto de vírus ele está carregando no corpo naquele momento", explica.
Não há como detectar reinfecção em quem confirmou por meio de teste rápido um caso de Covid. No Ceará, conforme o IntegraSus, plataforma da Sesa, até a tarde de ontem, dos 633 mil testes realizados, 28% foram de RT-PCR.
Caroline diz que os achados de reinfecção têm relação com a duração da imunidade para o novo coronavírus. Condição para a qual não se tem respostas definitivas. Ela acrescenta que um exemplo de imunidade passageira são os vírus que provocam resfriados comuns: "são vírus que não conferem imunidade duradoura. Você tem um contato com o agente, produz anticorpos, ele tem um tempo limítrofe de atuação e, após isso, fica-se vulnerável para novamente adquirir a infecção".
O biomédico Mário Oliveira ressalta que é preciso mais estudos sobre isso e que, em alguns casos, pode haver resquícios do vírus no organismo e o paciente testar positivo novamente. Por isso, a necessidade do sequenciamento genético. No Ceará, afirma, há profissionais e laboratórios de universidades que fazem o sequenciamento.
Ele reforça que "pode até haver uma reinfecção, mas não significa doença". Um exemplo, diz Mario, é que o ser humano tem mais micro-organismo no corpo do que células e "não necessariamente estamos produzindo doença. Porque muitos deles são comensais e estão no nosso corpo com função específica".