Depois da tempestade, a bonança. Em seguida, outra tempestade. A máxima popular normalmente associada a ciclos de eventos também pode ser representativa para o histórico do vírus da dengue, em especial, no Ceará. Após completar, em 2018, 10 anos sem circular pelo Estado, o sorotipo 2 da dengue pode reaparecer em 2019, de acordo com o balanço divulgado pela Célula de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal da Saúde (SMS).
O comportamento da doença e seus quatro sorotipos pôde ser bem observado ao longo de 33 anos, na avaliação do coordenador de Vigilância em Saúde da SMS, Nélio Morais. "A primeira vez que a dengue se manifestou no Brasil foi em 1986, com o sorotipo 1, que promoveu casos sem comparativos. O sorotipo 2 surgiu em 1994 e causou a maior epidemia no Ceará até então. Pela primeira vez, foram registrados casos graves e mortes".
O sorotipo 2, segundo o coordenador, é mais agressivo, e apresenta tendência a formar casos mais graves da doença. Além disso, na época, a população estava mais exposta, uma vez que o tipo 1 já havia circulado. "Quando se tem a dengue pela segunda vez, a forma clínica tende a ser mais grave", ressalta Nélio Morais. Em 2008, o tipo 2 provocou outra epidemia - a maior do Ceará e da Capital até então -, que viria a ser sua última manifestação expressiva no Estado. Após o fim da onda de casos, o sorotipo começou a se exaurir na região. "Depois de ter desaparecido por algum tempo, o tipo 1 ressurgiu em 2011, e se tornou predominante ao encontrar uma população mais suscetível. No ano seguinte, houve outra epidemia, do sorotipo 4. Após isso, o 4 começou a se exaurir, e o 1 prevaleceu até 2017", relata o coordenador de Vigilância em Saúde da SMS.
De 2008 a 2018, em Fortaleza, foram registrados diagnósticos de dengue dos sorotipos 1, 2 e 4
No ano passado, conforme Nélio Morais, o Ceará teve uma autolimitação de transmissibilidade do tipo 1, fator que motivou uma redução drástica dos casos, inclusive em Fortaleza. Em 2019, a expectativa é que retorne um sorotipo que deixou de existir por um determinado período. "Como tem-se observado o tipo 2 isoladamente em alguns estados, como Minas Gerais, é possível que retorne. Já temos uma população de 10 anos - nascidos após 2008 - que não é confrontada por ele, que pode ter formas mais graves".Pediátrica
A preocupação é justificada pelo ciclo regular de epidemias da doença. A migração também pode facilitar o retorno do sorotipo.
"Até onde fizemos monitoramento, só temos casos de dengue tipo 1, em 2017 e 2018. Geralmente, a epidemia começa em alguns pontos do Estado, em uma ou duas microrregiões. Por isso é importante que a monitoração seja feita a nível estadual", afirma Fabio Miyajima, especialista em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Ceará.
O potencial retorno do sorotipo 2 gera um alerta em especial para crianças de até 10 anos de idade. A população pediátrica que se acumulou de 2008 até agora já pode ter se infectado uma vez por outra variação da dengue. "Essa é a população que está mais exposta para pegar o tipo 2 e desenvolver casos mais graves", explica o infectologista do Hospital São José, Robério Leite.
"O sorotipo 2 da dengue tem a característica de ser mais virulento" Robério Leite - Infectologista
A manifestação da doença se dá através de dores abdominais fortes e persistentes, sinal de hemorragia, respiração rápida, palidez súbita, vômitos persistentes que levam à desidratação e tontura, tanto em crianças quanto em adultos. Crianças abaixo de dois anos, porém, podem ter mais risco de complicações.
"O momento de casos mais graves engana o leigo. No terceiro ou quarto dia, a febre passa, fazendo com que a pessoa pense que se recuperou. Na verdade, isso precede o momento mais grave da doença", alerta o infectologista.
Controle
Caso os sintomas característicos sejam identificados, recomenda-se procurar um médico quanto antes. Repouso e hidratação também são cruciais para que o paciente se recupere de maneira adequada.
Como de praxe, o controle vetorial se faz necessário, principalmente durante o período de chuvas. Para eliminar os criadouros do mosquito, é preciso cuidado, atenção e monitoramento.
"O fenômeno calor-chuva-umidade aumenta o ciclo reprodutivo do vetor. Devemos realizar mutirões, formação das brigadas, tudo para atravessar 2019 tranquilamente", diz Nélio Morais.
Como forma de complementar as medidas de controle vetorial, Fabio Miyajima destaca o Programa Mundial do Mosquito (WMP, na sigla em inglês). O projeto criado por pesquisadores australianos promove a substituição do Aedes aegypti por mosquitos Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia, que têm capacidade reduzida de transmitir arboviroses como dengue, zika e chikungunya. "O Ceará está pleiteando receber esse programa, com negociações avançadas com a Fiocruz do Rio de Janeiro", afirma o especialista.
O potencial retorno do sorotipo gera um alerta em especial para crianças de até 10 anos de idade. A população pediátrica que se acumulou desde 2008 já pode ter se infectado uma vez por outra variação da dengue.