Um dos métodos contraceptivos mais eficazes, o DIU (dispositivo intrauterino) é colocado, todo mês, por uma média de 31 cearenses em postos de saúde e hospitais públicos. Em 2021, até junho, 186 delas buscaram o dispositivo no SUS, 42% a mais do que em 2020.
A possibilidade de colocar o DIU de forma gratuita ainda é desconhecida por muitas mulheres. Duas cearenses abordadas pela reportagem, por exemplo, reagiram com surpresa à existência do direito.
Em 2020, foram feitos 274 procedimentos de inserção de DIU na rede pública de saúde do Ceará, 131 deles entre janeiro e junho, pico da primeira onda de Covid no Estado, e outros 143 de julho a dezembro.
Já em 2021, só no primeiro semestre, 186 mulheres tiveram o procedimento realizado em unidades de saúde públicas, de acordo com o Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS. Por outro lado, foram registradas 25 retiradas do dispositivo neste ano.
Para a dona de casa Kathianne Wanlume, 31, a busca pelo DIU no SUS foi simples: o dispositivo foi colocado no próprio posto de saúde do bairro Maraponga, após a cearense “desistir” da pílula anticoncepcional, que “esquecia de tomar por até três dias”.
“O processo foi simples e rápido. Marquei a consulta ginecológica normal, e o médico fez várias perguntas, explicou os prós e contras, fez os exames e marcou o dia. A única coisa que demorou foi o resultado dos exames saírem”, relembra.
O método foi utilizado por exato 1 ano, sem problemas, até que o período menstrual de Kathianne teve alterações e a médica recomendou a retirada. “Talvez meu corpo não estivesse mais se dando. Assim que tirei o DIU, engravidei do terceiro filho”, comenta.
Requisitos para colocar DIU pelo SUS
Após o parto, Kathianne tentou a recolocação do dispositivo: mas o posto de saúde do novo bairro onde mora, o Conjunto Esperança, não ofertava o DIU. “Não é todo local que oferece essa disponibilidade, por isso desisti de colocar de novo pelo SUS”, aponta.
Em nota, a Secretaria de Saúde de Fortaleza (SMS) informou que 10 postos de saúde realizam o procedimento na cidade. As mulheres interessadas no DIU devem buscar a unidade básica de seus respectivos bairros, "onde serão repassadas todas as orientações clínicas" e feito o encaminhamento.
A ginecologista Ana Vitória Linard, responsável pelo planejamento reprodutivo do Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC), aponta que o principal requisito para uma mulher inserir o DIU na rede pública é “ter vontade de aderir ao método”. Não é necessário ter filhos prévios.
É preciso apenas não estar grávida e estar com a saúde em dias, já que algumas doenças impossibilitam a colocação do DIU, como sangramentos, dor pélvica e corrimentos importantes sem diagnóstico.
O primeiro passo, orienta a médica, é procurar um posto de saúde, tanto em Fortaleza como no interior do Ceará. “A mulher passará pela regulação das vagas e será encaminhada ao hospital estadual para o procedimento”, pontua.
O tempo de espera para conseguir a inserção do DIU, segundo Ana Vitória, é variável, já que depende da disponibilidade de vagas para consultas nas unidades de saúde.
Outro equipamento para o qual os postos de saúde encaminham as solicitantes é a Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC/UFC), onde a inserção do DIU “é realizada nos ambulatórios e no pós-parto de pacientes que tenham interesse”.
Raquel Autran, chefe da Divisão de Gestão do Cuidado da MEAC, explica que “as pacientes vêm encaminhadas das unidades básicas de saúde”, e que, “quanto à inserção de Mirena (DIU hormonal), o hospital prioriza as pacientes atendidas em programas do ambulatório de adolescentes”.
Falsas informações sobre o DIU
Assim como o preservativo, o dispositivo intrauterino oferece, em teoria, proteção de 95% a 99,9% contra uma gestação indesejada. Apesar disso, o Brasil é o país do mundo em que as mulheres menos aderem ao método, de acordo com a ginecologista Ana Vitória.
“O mito principal é de que o DIU é abortivo, e não é. O Estado disponibiliza os DIUs de cobre e o hormonal, que é o que há de mais moderno, e não existe isso de ser abortivo”, reforça.
Verdades sobre o DIU:
- Não é abortivo;
- Pode ser usado em adolescentes (é, inclusive, recomendado);
- Não causa infecções;
- Não exige exames ginecológicos a cada 6 meses;
- Não atrapalha relações sexuais.
“Permissão” do cônjuge
A colocação do dispositivo por meio dos planos de saúde entrou em pauta, na última semana, após o jornal Folha de São Paulo denunciar que empresas estavam exigindo o consentimento dos cônjuges para que as mulheres realizassem o procedimento.
No Ceará, a exigência seria, além de ilegal, um retrocesso, como aponta Anna Kelly Nantua, defensora do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher da Defensoria Pública do Estado (Nudem).
Segundo ela explica, os planos de saúde tomaram como base a Lei do Planejamento Familiar, que exige a concordância do marido para que a mulher realize o processo de laqueadura. Não há amparo legal para o caso do DIU, que é um método contraceptivo.
Uma exigência desse porte fere a liberdade de decidir sobre maternidade, saúde e seu próprio corpo. Coloca a mulher numa situação de vulnerabilidade e dependência, o que vai de encontro às políticas públicas em busca de igualdade de gênero.
Após a repercussão dos casos que ocorreram na Região Sudeste, pelo menos três projetos de lei foram propostos para proibir a cobrança de “autorização do marido” para que a mulher adote qualquer método contraceptivo, incluindo o DIU.
“Eles buscam garantir mais segurança para a mulher, porque tornam a proibição expressa. Mas ainda são projetos. É algo surreal e sem sentido que a gente ainda precise de uma discussão como essa”, opina Anna Kelly.