No ensino público do Ceará estão matriculados 257 crianças e adolescentes vindos de outros países, que superam a barreira da língua e das mudanças culturais para obter formação de qualidade, neste ano letivo. São 103 estudantes estrangeiros matriculados na rede estadual e outros 154 alunos da rede de ensino de Fortaleza naturais de países como Venezuela, Colômbia e Cabo Verde, segundo informações das secretarias Municipal (SME) e Estadual (Seduc) de Educação. Este grupo deve ter o direito à educação facilitado conforme determinação nacional válida no início do próximo mês.
As crianças e adolescentes migrantes, refugiados, apátridas (sem nação de origem reconhecida) e solicitantes de refúgios podem se matricular em escolas públicas do Brasil sem a necessidade de documentação comprobatória de escolaridade anterior. Essa definição foi publicada pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), no Diário Oficial da União (DOU) do dia 16 de novembro e entra em vigor a partir do dia 1º de dezembro deste ano.
As matrículas nas creches e nas escolas, além da modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), passam a ser garantidas à população que chega ao País, conforme a disponibilidade de vagas. Devido à situação de vulnerabilidade, a resolução destaca que esse processo deve ser facilitado e sem mecanismos discriminatórios.
Com isso, a situação de quem chega ao território cearense e precisa da escola para dar continuidade à formação deve ganhar mais evidência, como observa Marlene Freitas, orientadora da Célula de Educação em Direitos Humanos, Inclusão e Acessibilidade (Cedia) do Estado. "Essa resolução vem colaborar para que a gente dê mais atenção ao tema, mas é uma prática que a gente já vem desenvolvendo. Todo ano é lançada uma portaria, com diretrizes e orientações, para a matrículas dos estudantes da rede estadual envolvendo todas as questões e peculiaridades", acrescenta.
Certidão de nascimento - considerado indispensável -, identificação com foto, comprovante de escolaridade e de residência estão entre os documentos básicos necessários para garantir uma vaga nas escolas do Estado. Contudo, ao considerar a situação de vulnerabilidade de parte do estrangeiros, as exigências já são flexibilizadas. "Para o migrante, essa questão é facilitada para que não fiquem sem escola. O encaminhamento é que a gente assegure a matrícula dessa criança ou jovem", frisa Marlene Freitas.
São analisadas faixa etária e desempenho para entender qual a série escolar será mais adequada para cada caso. "É feita uma avaliação diagnóstica para que seja enturmado de acordo com o seu potencial e essa resolução vem fortalecer isso", explica a orientadora que observa maior demanda por estudantes vindo de países como Colômbia, Portugal e Cabo Verde.
As diferenças no idioma aparecem como o principal desafio de integrar os estudantes, mas que é minimizado com o apoio de professores que possuem formação em línguas estrangeiras, como pondera Marlene Freitas. "Não é nada complexo receber e ter as portas abertas aos migrantes, a prática inclusiva é algo que estamos trabalhando. Nós temos uma equipe focada nos direitos humanos e representante do Comitê de Migrantes", completa.
A venezuelana Sofia Salazar, de 16 anos, chegou ao Ceará no início deste ano em busca de "uma melhor qualidade de vida", já que o país de origem vivia uma crise econômica. Ao desembarcar em Fortaleza, depois de passar por Roraima e Manaus, conseguiu vaga para estudar no 1º ano do ensino médio em uma escola pública. Além de perceber as diferenças pedagógicas, Sofia precisou se adaptar ao novo idioma, ao qual ela considera como o maior desafio até agora.
"Foi um pouco complicado porque como a gente não fala português fica um mais difícil, mas fomos aprendendo pouco a pouco e eu consegui me comunicar com os demais. Agora, eu estou falando mais por causa dos estudos, dos livros, da internet eu aprendo o idioma", detalha. Se depender da estudante, a Capital será moradia fixa, onde ela planeja cursar uma graduação e atuar profissionalmente. "Se Deus quiser, minha família vai ficar aqui, a gente quer que a pandemia melhore e com certeza eu quero fazer faculdade no Ceará. Eu quero ter melhores conhecimentos, aproveitar o máximo a oportunidade desse país, cursos, trabalhos e estudo", diz Sofia, ao ressaltar que pretende estudar arquitetura ou jornalismo.
Também da Venezuela, Valentina Velasquez, 16, mora no Ceará há um ano e dois meses com os pais, quatro irmãos e uma cunhada. A estadia fixa na Capital ainda é incerta, mas ela revela que "gostaria de seguir estudando aqui quando sair da escola". O ensino local, compara, se difere do seu país por ter refeição, regime integral, notas de 0 a 10 e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Valentina confessa que ainda não absorveu todo o vocabulário português, embora já compreenda bem a fala. "Eu não entendia nada, mas depois de um tempo eu entendi. Eu ainda tenho dificuldade de escrever português porque a pronúncia é diferente, mas eu estou aprendendo. Tinha o problema de traduzir as coisas, mas na escola tinha uma professora que me ajudou bastante", reforça.
Por falar o mesmo idioma que o Brasil, a estudante do 1º ano, Maica Manga, natural de Guiné-Bissau, conseguiu se adaptar sem complicações. "A experiência está sendo muito legal. Não estou tendo dificuldades de aprender. Está tudo normal e eu espero que continue assim", vibra. Maica chegou em Fortaleza no mês de janeiro e conta que logo conseguiu vaga, uma vez que as matrículas ainda estavam abertas. "O processo foi bem simples. Meu pai conseguiu vaga no Clóvis Beviláqua".
Procedimento
Fica estabelecido na resolução do Conselho Nacional de Educação que a matrícula na etapa da educação infantil, e no primeiro ano do ensino fundamental, obedecerá apenas ao critério da idade da criança. A partir do segundo ano do ensino fundamental e no ensino médio, os sistemas de ensino deverão aplicar procedimentos de avaliação para verificar o grau de desenvolvimento do estudante. As avaliações e classificações dos estudantes estrangeiros devem ser feitas em suas línguas maternas.
As escolas ficam responsáveis por promover acessibilidade linguística, organizar o processo de acolhimento de modo a evitar discriminação, racismo e xenofobia. Os alunos não podem ser segregados, devendo as turmas serem formadas por brasileiros e estrangeiros. Os professores, completa o texto, precisam realizar capacitações sobre práticas inclusivas, de atividades de valorização da cultura estrangeira e oferta de ensino de português como língua de acolhimento.
Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Enéas Arrais Neto, a nova resolução promove a inclusão linguística, cultural e étnica de estrangeiros na rede de ensino local. "É extremamente enriquecedor para o que chega e para nós que o recebemos. Quanto mais convivência multicultural, mais enriquece e facilita os laços e o entendimento da pluralidade do ser humano", opina.
Contudo, o professor sugere que a implementação da norma vai exigir atualizações na formação docente. "Quando chega um estudante estrangeiro, como facilitar a recepção dele? Como a nossa cultura e as vivências do nosso povo podem enriquecer o que eles trazem? Eles deverão participar de cursos que permitam abrir os olhos para a questão desse intercâmbio cultural", considera.
Em nota, a SME destaca que a rede municipal dispõe de professores de línguas estrangeiras (inglês e espanhol) para dar suporte às necessidades dos alunos. "Além disso, com o objetivo de garantir a permanência dos alunos, as unidades escolares realizam o acompanhamento destes estudantes, incluindo a articulação permanente com a família", complementa a Pasta.