A incerteza tira a paz, inquieta, angustia. Assim têm sido os dias da operadora de telemarketing Keyla Barroso, 18, desde julho de 2018, quando o pai da jovem, Marco Aurélio, saiu da casa onde morava com a avó dela, no município de Horizonte, para encontrá-la junto à irmã em Fortaleza. Mas nunca chegou ao destino. Entrou para a conta dos mais de 2 mil desaparecimentos registrados no Estado no ano passado, de acordo com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Entre julho de 2018 e 2019, conforme a pasta, 579 desaparecimentos foram registrados na 12ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
“Não recebemos mais nenhuma notícia dele. Minha tia já foi procurar no IML (atual Perícia Forense), nos presídios… Mas ele não tava. Como ele é usuário de drogas, a gente não sabe ao certo se foi embora ou se aconteceu alguma coisa. Só procuramos nas redes sociais”, relata Keyla, que, antes disso, já havia passado dois anos sem ver o pai.
A espera da família de Renato Vasconcelos, 30, é mais recente: completa 14 dias hoje, no Dia Internacional dos Desaparecidos. Segundo o padrasto, Marcelo Mendes, 46, o jovem toma medicamentos controlados para tratar os transtornos mentais, o que aumenta a preocupação. “Ele surtou e saiu de casa. Foi visto pela última vez na Ceasa, em Maracanaú, dia 16, pela manhã. A gente foi atrás de novo várias vezes, mas não encontrou. A mãe dele está mal, só tomando remédio e chorando direto”, relata Marcelo.
O Boletim de Ocorrência (B.O.) relatando o desaparecimento de Renato foi registrado na 12ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), especializada na investigação de desaparecimentos – mas, segundo o padrasto, ainda não houve retorno da Polícia. “Saímos eu, minha cunhada e minha esposa pra procurar pelos bairros, toda semana. A gente tem esperança. A mãe dele liga pra delegacia todo dia”, garante.
Registro
Segundo Arlete Silveira, titular da 12ª Delegacia do DHPP, não existe tempo mínimo para alguém ser dado como desaparecido: para a Polícia, o status é a partir do registro do B.O. e de avaliação preliminar para descartar fraudes. “O uso abusivo de drogas ilícitas” é um dos principais fatores para os sumiços. Outro motivo que encabeça a lista de motivações é os conflitos familiares, e a delegada aponta que a maioria que desaparece no Ceará é de adolescentes e jovens entre 15 e 29 anos. “Por isso que, mesmo depois que encontramos, é necessário um trabalho de proteção social para que não haja reincidência”, pontua a delegada.
Conforme a SSPDS, dos 579 casos de desaparecimento registrados no DHPP, entre julho de 2018 e julho de 2019, 53,7% foram de jovens de 12 a 29 anos. Os adultos de 30 a 59 representam 33,9% dos casos. Idosos e crianças equivalem, respectivamente, a 8,5% e 2,2% dos desaparecidos. Em 1,7% dos registros não contam com informações sobre a idade específica da pessoa desaparecida, conforme a SSPDS.
Para a delegada, a tecnologia tem facilitado o compartilhamento de informações e a solução dos casos. “Uma vez registrado o B.O., fazemos registro via Ciops e entramos em contato com a PM da área. Investigamos os últimos passos, os amigos, a família e coletamos informações. Então as viaturas, em suas patrulhas de rotina, passam a procurar aquela pessoa”, explica.
Buscas
No entanto, as mesmas redes sociais que colaboram com a Polícia podem gerar falsas esperanças. Os boatos são muitos, e a dor dos familiares também. “Eu sou muito nervosa e até imaginei ele morto porque chegaram a dizer que ele tinha ido a um bairro muito perigoso”, lamenta Fabiana Silva, cujo pai, Francisco Sérvulo, de 63 anos, sumiu durante oito dias do mês de julho. Nesse intervalo, a filha recebeu “muita informação desencontrada” até localizá-lo, sujo e desorientado, numa rua da Aldeota, em Fortaleza.
Marianne Pecassou, coordenadora de Proteção da Delegação Regional do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), aponta a maior visibilidade dos desaparecimentos nas redes como fator positivo para as buscas, mas pede atenção. “Muitos falam dos trotes. Qualquer pessoa com má intenção pode se aproveitar do desespero para pedir dinheiro quando não devia. Recomendamos que não sejam dadas informações muito pessoais, como celular e endereço”, explica.
A especialista avalia que o impacto psicológico é mais forte “em quem tem menos recursos, mais idade ou é mais frágil”. “O desaparecimento pode afetar o sono e a alimentação. A pessoa vai adoecendo aos poucos. E, quando não se está bem do ponto de vista psicológico, outros âmbitos são afetados: pode deixar de trabalhar, de cuidar dos filhos ou netos, precisa lidar com dívidas ou com a custódia de menores… Cada problema tem impacto em outro âmbito”, garante a especialista. Os prejuízos, alerta, podem se estender a amigos e vizinhos.
Prometido para abril deste ano, o Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos no Ceará (PLID/CE) segue em desenvolvimento. A ferramenta tecnológica, criada para facilitar a integração de órgãos de segurança e saúde no processo de busca e identificação, deve começar a ser operacionalizado em setembro, conforme o promotor de Justiça Hugo Porto, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Cidadania (Caocidadania) do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE).
Atualmente, o PLID passa por um ajuste, no Rio de Janeiro, para otimizar a visualização compartilhada dos casos recentes entre o MPCE, as Polícias, a Perícia Forense e o Instituto Dr. José Frota (IJF), e minimizar a “via-crúcis” das famílias entre tais unidades. “Cada um desses atores será uma célula da rede de solução a esses problemas”, afirma. Para casos antigos, adianta, o sistema está “bem ajustado”. Enquanto isso, o DHPP e o MPCE já estão abastecendo o Programa com informações.
Outro encaminhamento em discussão é a criação de um comitê gestor para avaliar casos mais complexos. Afinal, já foram previstas situações em que alguém possa ser declarado como desaparecido, de propósito, para que o informante tenha acesso a seu paradeiro.
No futuro, espera Hugo Porto, a “plataforma aberta” pode contar ainda com recursos de identificação biométrica e facial. Quem sabe, assim, haja algum retorno concreto sobre Wilton, Paula, Larissa, Luan e outros tantos cearenses que, na ausência, ainda se fazem presentes.
+
Exposição
De hoje até o dia 29 de setembro, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) apresenta no Museu da Cultura Cearense, do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza, a mostra imersiva “A falta que você faz”
Acervo
A exposição conta com fotografias de Marizilda Cruppe e direção artística de Rogério Costa. Os retratos e vídeos da instalação contam a história de 19 famílias brasileiras que sofrem com o desaparecimento de parentes. As fotos foram produzida durante três anos.
Lugares
A fotógrafa visitou as casas dos familiares em diversas cidades brasileiras, como Curitiba, Fortaleza, Maceió, Rio de Janeiro e São Paulo
Horários
A mostra imersiva “A falta que você faz” poderá ser visitada de terça a sexta-feira das 9h às 19h (entrada até 18h30) e no sábado e domingo: 14h às 21h (entrada até 20h30)