As colunas desgastadas, as rachaduras e o chão da garagem "meio fundo" já passavam despercebidos pelo olhar de Luiz (nome fictício), morador de um prédio no Centro de Fortaleza. "É coisa de prédio antigo", pensava. Um remendo aqui, outro ali, resolveriam. A posição mudou radicalmente a partir das 10h28 do dia 15 de outubro, quando os sete andares do Edifício Andrea viraram entulho, e imagens das colunas rachadas do imóvel começaram a circular nas redes sociais. Fortaleza, então, acordou.
"A gente via as colunas soltando o reboco, umas rachaduras, os ferros das vigas enferrujados. Desgastes mesmo na estrutura. Mas ninguém nunca imaginou que seria possível acontecer algo mais grave. Mas quando saíram aqueles vídeos, quando o Andrea desabou, acordamos, né? Tava muito parecido com a situação daqui, todo mundo se desesperou", declara o morador, preferindo não se identificar para não expor o condomínio - que data dos anos 1980, e nunca havia passado por inspeção predial até outubro.
O alerta foi geral, e os chamados dos fortalezenses pela Defesa Civil da Capital se multiplicaram expressivamente, se comparados a igual período do ano passado. Em outubro de 2018, foram registradas 42 ocorrências por risco de desabamento - em igual mês deste ano, o total foi de 715 - ou 17 vezes mais.
Já em novembro de 2018 inteiro, 50 chamados neste perfil foram contabilizados. Este ano, somente até o dia 11 do mesmo mês, a Defesa Civil foi acionada 256 vezes para verificar riscos de colapso em casas e edifícios, totalizando 971 ocorrências entre outubro e novembro de 2019, contra apenas 92 no ano anterior.
Interdições
De acordo com a Defesa Civil, uma média de 20 visitas de agentes aos imóveis prejudicados é realizada todos os dias, número que "varia muito" a depender da distância das edificações (que influencia no deslocamento dos agentes) e, principalmente, da gravidade da situação, já que alguns prédios "demandam mais tempo de avaliação in loco da equipe". Do dia 16 de outubro, seguinte à tragédia do Andrea, até agora, cerca de 500 locais receberam avaliação do órgão. Para atender à demanda, 60 agentes se revezam.
O número de prédios notificados por riscos de desabamento, informa a Defesa, não tem como ser contabilizado no momento, "por conta do excesso de demandas". Contudo, entre prédios e casas, seis imóveis de Fortaleza já foram evacuados - ou seja, os moradores precisaram se mudar, provisória ou permanentemente, por medida do órgão de fiscalização ou da empresa de engenharia contratada para serviço de reparo. Um deles foi o Edifício Ana Cristina Holanda, no Montese, interditado pela Defesa Civil na manhã do dia 6 de novembro - onde a autônoma Mirleide Castro morava há 14 dos 55 anos de vida, junto ao afilhado.
"O resultado dos engenheiros que a dona contratou saiu dia 31 de outubro, mas ela só comunicou pra nós, moradores, dia 4 de novembro. Todo mundo teve que sair às pressas. Pra gente foi um choque muito grande. Eu era uma das mais novas, tinha gente lá com 19, 20, 22 anos morando no prédio", relata Mirleide, que vive, hoje, numa casa cedida por uma amiga "pelo mesmo preço que pagava" no condomínio interditado - ao contrário de outros ex-residentes, os quais, segundo ela, "ainda não conseguiram lugar próprio pra morar".
Mirleide aponta que a situação do edifício chegou a tal ponto porque o prédio "nunca passou por reforma profunda, nesse tempo todo, só pintura e umas besteirinhas". Um laudo elaborado por um engenheiro constatou que as duas caixas d'água do condomínio estavam colapsadas. A consequência, então, foram a interdição mediante o risco de ruptura que ela apresenta.
"Ficou lá meu guarda-roupa e meu sofá, porque quando a Defesa Civil chegou, foi muito rápido. A maioria das pessoas já tirou tudo. Mas eu? Eu não vou voltar pra pegar nada não, porque é uma lembrança muito grande. Morar todo esse tempo num lugar, não é fácil esquecer. E tá fazendo uma semana que tô aqui", diz Mirleide.
Inspeção
O presidente do Conselho Regional de Engenharia do Ceará (Crea), Emanuel Mota, avalia que a busca recente dos fortalezenses pela inspeção predial "mostra que o ser humano acaba sendo movido a tragédias, e que elas motivam soluções". O alerta, então, está aceso em definitivo. "Quando você adquire um imóvel, está com a cabeça na compra e esquece de que, como num carro ou na própria saúde, é preciso manutenção constante. O imóvel, mesmo com vazamento e rachadura, continua sendo útil, então negligenciamos. Mas está cada vez mais claro que esses são avisos de que a estrutura pode colapsar", frisa o presidente.
Fiscalização
Para Emanuel, a falta de inspeção predial e de uma prática mais incisiva da lei municipal quanto a essa questão são problemas de ordem social, "que causam vários problemas e culminam na evacuação das moradias". "É preciso que haja fiscalização para garantir a segurança das estruturas. Além disso, os imóveis precisam de um plano de manutenção. Isso é indispensável", destaca o presidente do Crea/CE, reforçando, ainda, que as condições de Fortaleza ampliam essa necessidade.
"Nossa atmosfera é muito agressiva, tem muita salinidade. Isso favorece a corrosão das estruturas mais rapidamente. Construções mais antigas e que não foram mantidas corretamente começam a apresentar rachaduras e trincas que geram o colapso estrutural. Muitos condomínios e empresas estão chamando engenheiros que já tinham apresentado propostas antigas de intervenções, mas que haviam sido engavetadas. Com certeza a tragédia fez a cidade acordar para a importância disso", finaliza.