O Botão Nina, utilizado para denunciar assédios sofridos no transporte coletivo em Fortaleza, já registrou 2.249 ocorrências desde o início do funcionamento, em março de 2019. No entanto, apesar do número expressivo de registros, apenas 243 casos foram concluídos, o que corresponde a 11% do valor. Em muitos casos, o usuário não finaliza o cadastro para disponibilização de vídeos que auxiliarão na investigação. O dados são da Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP), que administra a plataforma.
O serviço de denúncia disponível no aplicativo Meu Ônibus, da Prefeitura de Fortaleza, apresenta 334 usuários cadastrados: 254 são mulheres cis e uma mulher trans, o que representa 76% dos usuários. Os outros registros no aplicativo são de 73 homens cis, 1 homem trans e 4 não binários.
Para a universitária Mylena (sobrenome omitido para preservar a vítima), de 21 anos, as situações de importunação sexual dentro dos ônibus de Fortaleza são corriqueiras.
“Eu estava em um ônibus lotado e tinha um homem muito próximo. Na hora, pensei que era porque o ônibus estava lotado e não tinha para onde ele ir. A situação estava me incomodando muito, então quando surgiu um espacinho para eu me distanciar dele, eu fui. Só que ele veio atrás de mim e eu fiquei paralisada. Não sabia o que fazer, então percebi que ele era um assediador. Eu não aguentei mais e desci do ônibus muito antes da minha parada”, relembra.
De acordo com Mariana Gomes, assessora técnica da SCSP, quando a funcionalidade foi lançada no aplicativo, foi a época com mais denúncias. No período de funcionamento, antes da pandemia, a média de registros mensais eram de 120, sendo apenas 18 desses concluídos - cadastro do usuário e disponibilização de vídeos. Durante o período de isolamento social, onde a demanda do transporte público chegou a 25% do normal, os registros passaram para uma média de 32 por mês, e apenas 2 sendo completamente finalizados.
“A plataforma permite que a pessoa está sofrendo ou presenciando uma situação de assédio faça o processo todo e depois continue. A gente precisa que o usuário coloque os dados pessoais, mas somente 10% concluem”, aponta. “É muito importante que se conclua este processo. "Uma dificuldade pra vítima é ter uma prova. Nesse caso, a pessoa que conclui o registro vai ter o acesso aos vídeos daquele ônibus, então ela vai ter uma prova para ocorrência”, completa Mariana.
Ações
Para a universitária, que já passou por diversas situações de assédio em ônibus da Capital, é muito importante implantações de serviços que facilitem registros e denúncias de assédio, mas pondera: “Será que realmente vai acontecer alguma coisa (com o assediador)? Será que vai ter alguma punição? Vai ter como levar isso para frente? Eu não tenho muita informações sobre isso, se elas vão ser realmente punidas”, desabafa Mylena.
Segundo a assessora técnica da SCSP, ocorreram reuniões com a delegacia responsável por esse casos para saber como a função Nina poderia ajudar efetivamente nesses casos. “Nós tivemos conversas na delegacia para ver, enquanto Prefeitura, (como) podemos agir. Mas hoje, para que qualquer pessoa possa abrir um processo, é importante que a vítima seja a pessoa a denunciar”, explica Mariana, sobre algumas das dificuldades encontradas.
“Porque, de toda forma, há uma obrigação da mulher testemunhar, e já é uma situação traumatizante pra gente ainda colocar ela nessa situação. É importante enfatizar que as pessoas, quando se depararem com casos assim, testemunhem. Estamos em um trabalho de conscientização sobre isso, mas ainda há outras etapas”, enfatiza Mariana. Dos 243 registros concluídos, 164 foram de pessoas que sofreram o assédio, 68 de pessoas que presenciaram e 11 que sofreram e presenciaram.
Das ocorrências registradas, a maior parte (207) aconteceu dentro dos ônibus. Mas também se tem registro de 19 em paradas e 17 em terminais. “Estamos desenvolvendo um protocolo de flagrante, uma capacitação mais aprofundada com os operadores do transporte público. Por conta da pandemia, não conseguimos avançar com isso”, conclui a assessora técnica.
Em nota, a secretaria destacou que é muito importante ir a delegacia realizar formalmente a denúncia e que o Botão Nina “funciona gerando evidências dos casos de importunação sexual, que podem contribuir para punir os importunadores”.