Pelo calçadão é possível caminhar tranquilamente, pois o espaço já não é mais disputado com quem pratica exercícios ou vende mercadorias. Para estas atividades, há áreas reservadas. No percurso, o mar tem sinalização de balneabilidade e pode ser apreciado sem nenhuma barreira física já que as barracas são padronizadas. Você reconhece esta orla? É a Beira-Mar que não sai do papel em Fortaleza e há, pelo menos, 12 anos é idealizada pelo poder público que promete "revitalizar a área".
Na prática, a Beira-Mar, que vai do Mercado dos Peixes ao Aterro da Praia de Iracema, é bem diferente. O espaço, um dos mais importantes da Capital, tanto para moradores quanto para turistas, acumula conflitos de uso e a necessidade de ordenamento e reestruturação.
No campo das ideias, a Feira de Artesanato, de o dia, seria desarmada e o espaço, seria usado de outras formas. Assim como o novo Mercado dos Peixes, com instalações mais adequadas para vendedores e clientes, já estaria em funcionamento.
Embora as promessas tenham algumas distinções em cada governo, a revitalização que custa a se materializar já perpassa três gestões municipais, a contar de 2002, quando o debate público da grande reforma foi intensificado. Neste curso, foram muitas as polêmicas e até disputas judiciais. Na recente estimativa, a Beira-Mar ganhará nova forma até o fim de 2016.
As grandes intervenções no local começaram a ser defendidas, com mais força pela Prefeitura na segunda gestão de Juraci Magalhães, quando propôs a retirada das barracas irregulares e o agrupamento destes estabelecimentos em "ilhas".
Mas, segundo o Ministério Público Federal (MPF), por conter várias irregularidades, o projeto foi barrado. "Eles não tinham autorização da União, que é titular da área para fazer as alterações", lembra o procurador da República, Alessander Sales. Depois deste período, um Termo de Referência foi assinado, entre o Município e a União, que resultou no Concurso Nacional de Ideias para revitalização da Beira-Mar, realizado somente em 2009, na gestão de Luizianne Lins. O projeto, assinado pelos arquitetos Fausto Nilo, Ricardo Muratori e Esdras Santos, venceu.
Neste intervalo, a demora na execução das obras preocupa os frequentadores. Na avaliação do coordenador do Grupo Amigos da Beira-Mar, Tadachi Enomoto, durante o demorado processo, foram poucas as oportunidades de diálogo entre os idealizadores das mudanças e quem usufrui do espaço. Hoje, ele lamenta a carência de manutenção no calçadão e a falta de ordenamento.
Para os trabalhadores da feirinha, segundo o presidente da Associação da Feira de Artesanato da Beira-Mar, Theodomiro Araújo, a reestruturação é considerada "interessante", porém, no que diz respeito ao espaço dos 652 vendedores, "é uma catástrofe". Isto porque os feirantes não concordam com a ideia de três estacionamentos subterrâneos para montagem e desmontagem das barracas.
Processo
As intervenções previstas no projeto vencedor do Concurso de Ideias, só tiveram início em junho de 2013, com as obras no Mercado dos Peixes executadas, assim como as demais, pela Queiroz Galvão. Há atraso na entrega e, conforme a Secretaria de Turismo (Setfor), atualmente o novo equipamento está 95% concluído e será inaugurado somente no início de 2015.
Já o Espigão construído nas proximidades do Clube do Náutico, iniciado em maio de 2013, está com 85% de conclusão e também deverá ser aberto à população só no próximo ano. Atrasos no repasse de verbas do Ministério do Turismo, teriam, de acordo com a Setfor, atrapalhado o curso normal das obras.
A revitalização, que contará, ainda, com a construção de um aterro hidráulico, custará R$ 232 milhões. Destes, R$ 22 milhões são do Ministério do Turismo e o restante do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). No atual estágio, conforme a Setfor, a Prefeitura aguarda um repasse de R$ 17 milhões do órgão federal para dar continuidade e concluir as alterações.
O Ministério do Turismo garante que, do valor total prometido pelo órgão, R$ 11 milhões já foram repassados à Prefeitura, e destaca que "os pagamentos são realizados proporcionalmente ao nível de execução do projeto, com valores liberados somente após a execução e medição da obra pela Caixa Econômica Federal". Portanto, explica o Ministério, os repasses são proporcionais ao ritmo das obras.
No caso das alterações nas barracas e na Feira de Artesanato, o Município garante que irá reunir-se com pessoas que serão diretamente afetadas pelas obras, antes de realizar qualquer ação.
Obra do aterro começa em 2015
A terceira e mais esperada etapa de revitalização da Beira-Mar é a construção de um novo aterro hidráulico que terá até 1.300 metros de extensão. A intervenção, que vai da Av. Rui Barbosa até a Av. Desembargador Moreira onde, hoje, há, em cada um dos pontos, um espigão, conforme a Prefeitura, irá garantir a engorda da faixa de praia em uma largura média de 100 metros.
Esta, que é a maior intervenção do atual projeto, tem início previsto para o primeiro semestre de 2015. Porém, ainda não há a definição do mês. Somente após a garantia do aterro é que a Prefeitura poderá expandir o calçadão da Beira-Mar e as calçadas no entorno. A construção do novo aterro já conta com licença de instalação concedida pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma).
Conforme a Secretaria de Turismo de Fortaleza, uma draga holandesa será usada no processo para retirar a terra do fundo do mar e levá-la para a ampliação da faixa de praia. O equipamento, que segundo a pasta, é usado em diversos grandes projetos de aterramento, no mundo inteiro, e, por isso, tem o uso muito demandado, chegará a Fortaleza no início de 2015.
Durante o histórico de projeção do novo aterro, ainda na gestão da prefeita Luizianne Lins, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou, que por ser uma área que pertence à União, a licença para execução do procedimento deveria ser emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
No Ibama do Ceará, segundo o analista ambiental coordenador do Núcleo de Licenciamento, Carlos Schneider, até o fim da semana passada, nenhum processo com pedido de licenciamento referente ao novo aterro teria sido solicitado pela Prefeitura ao órgão no Ceará.
O procurador da República do MPF, Alessander Sales, afirma que "o Ministério Público continua acompanhando de perto todas as intervenções e espera as ações da Prefeitura". Ele acrescenta que "lamentamos a lentidão. A última expectativa é que ficaria pronto para Copa do Mundo, mas não foi feito. Creio que o Município optou por tentar encaminhar as outras obras devido ao processo de licenciamento. Mas, seguimos monitorando".
O presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) no Ceará, Custódio Santos, que acompanhou de perto o Concurso de Ideias em 2009, avalia que, por ser Fortaleza uma capital litorânea, a Beira-Mar é um espaço fundamental para a vivência.
De acordo com ele, a não execução destas obras tem um grande impacto, principalmente porque a orla é uma área que abriga vários tipos de interesses. Custódio, que tem conhecimento da dimensão do projeto vencedor do concurso, estima que, após iniciada, caso não haja nenhum entrave, a conclusão do aterro pode ser em 12 meses.
Para ele, Fortaleza carece urgentemente que estas intervenções saiam do papel, principalmente para reordenar o uso do passeio no calçadão, melhorar a acomodação das várias atividades, como lazer e comércio, e garantir a desobstrução da vista do mar, com a padronização das barracas de praia.
Opinião do especialista
Beira-Mar une o tradicional e o moderno
A implementação do Plano Diretor, no ano de 1962, a construção da Avenida Beira-Mar e de seu calçadão orientaram Fortaleza para o litoral transformando a antiga e calma colônia de pescadores em local de encontro e moradia da alta sociedade da Capital.
A substituição das pequenas e baixas casinhas cobertas de palha e dos pequenos empreendimentos e restaurantes familiares pelos grandes hotéis e arranha-céus fizeram-nos perceber o significativo valor da terra para os pescadores e para o "mulheril" faceiro que habitava o lugar.
Os homens da pesca protagonizaram um movimento de resistência e adaptação à nova dinâmica do litoral, mantendo na praia suas jangadas, seus fluxos característicos e a garantia de sua subsistência.
A jangada, como símbolo, proporcionou maior visibilidade à luta e à resistência deste povo. A população, que havia perdido os referenciais de espaço cotidiano, reflexo da sua cultura, até conseguiu, aos poucos, se harmonizar com o novo lugar, mas isso nunca diminuiu a tristeza pela destruição do que era seu.
Acredito que a Beira-Mar ainda se constrói. A cada dia, surgem novas formas de entender as transformações. Atualmente, o tradicional e o moderno convivem, mas avalio que há uma nova identidade bastante diferenciada da antiga.
Rachel Garcia
Turismóloga, pesquisadora e escritora
Thatiany Nascimento
Repórter