A dor irreparável da perda de parentes atrelada à destruição do lar, local onde se construíram memórias, certezas e conforto. O futuro, para os agora ex-moradores do Edifício Andrea, que desabou junto com sonhos e planos, no dia 15 de outubro, no Dionísio Torres, em Fortaleza, passa pela superação do momento crítico e complexo. Não só recuperação física, mas, principalmente, a mental e emocional, na tentativa de reduzir também o sofrimento da alma.
Para o jovem Fernando Marques, 20 anos, uma das vítimas da tragédia, a dor veio em doses múltiplas. Ele, um dos primeiros a ser resgatado com vida dos escombros, perdeu a mãe, Rosane Marques de Menezes, 55 anos, e os avós Izaura Marques Menezes, 81 anos, e Vicente de Paula Vasconcelos de Menezes, 86 anos.
Segundo Renê Dinelli, vice-presidente do Comitê de Crise dos Profissionais de Psicologia que atuam voluntariamente em atendimentos a familiares e sobreviventes, é importante que se dê espaço para o luto. "Cada pessoa vive seu luto de maneira de diferente. O trabalho da nossa equipe nesses primeiros dias está sendo o de se fazer presente, o de escutar".
Para ele, "não é a hora de psicoterapia. É hora de mostrar que estamos disponíveis e próximos a eles. A gente pergunta como eles estão, do que estão precisando e, se for necessário, os encaminhamos até outros profissionais de saúde, dependendo do estado. Nós deixamos eles ficarem livres para viver esse momento de perda e extrema dor e desamparo", pontua o psicólogo.
Renê Dinelli diz que o trabalho de encaminhamento após o momento do trauma é de suma importância para a cura dessas pessoas. "Na perspectiva do gerenciamento de crise, assim que forem encerradas as buscas, a gente começa a fazer o trabalho de fato. Vamos entender o que fazer com essa dor de quem fica. São alguns questionamentos: como atender quem está passando pelo luto? Qual é a rede de apoio que eles têm? O que eles necessitam? Seja na assistência em saúde ou no contato com a defensora pública. É preciso entender esse período pós-desastre", indica.
Emoções
O psicólogo Antônio José Sarubi, que também atuou no acolhimento das vítimas da tragédia, enfatiza que "não há uma fórmula" para "curar o luto" e explica que "se a pessoa atinge um grau de desespero grande pela perda, temos que trabalhar isso muito mais devagar, muito mais atento às emoções daquele momento. Dar vazão para que essa emoção flua dentro da pessoa. Nós não estamos ali para dar conselhos, nós estamos para ajudar na passagem do processo porque o luto é real. Não é uma coisa inventada".
Ele acrescenta ainda que esses processos são longos e que, para quem tem fé ou uma religião, essa é uma possibilidade de refúgio que serve de auxilio. Para aqueles que não têm ligação mais forte com a religião, é aconselhável criar "situações de distração, sair daquele núcleo", acrescenta. "É como um tufão, se estamos no auge do tufão temos que nos agarrar a alguma coisa. Então é isso que nós fazemos. Algumas atividades, se a pessoa tiver abertura".
A preocupação com a quebra do vínculo de moradia também é uma das mais latentes. Outros dois mortos na tragédia, pai e filha, Antônio Gildásio Holanda, 60 anos, e Nayara Pinho Silveira, 31 anos, haviam chegado ao Edifício Andrea 15 dias antes do desastre, como uma moradia temporária, já que estavam de apartamento novo comprado, esperando apenas a entrega. Para a família dos dois, restou a memória de seus entes. Um grupo de amigos e familiares realizou, ontem (18), momentos de homenagem a eles. Nayara foi enterrada no fim da tarde de quinta-feira. Gildásio será cremado e terá suas cinzas espalhadas em Banabuiú, sua cidade natal, no Interior do Ceará.
Desde as primeiras horas do desabamento, uma verdadeira rede de solidariedade formou-se no entorno dos escombros. Enfermeiros, médicos, psicólogos e outros profissionais integram uma espécie de comitê para garantir a saúde física e mental dos que foram e ainda estão sendo afetados pela ocorrência. Esse trabalho também se estende aos agentes de segurança e saúde que trabalham no resgate.
Cenário
O socorrista Alexandro Moura, 39 anos, fez parte da primeira equipe a chegar ao que restou dos sete andares do Andrea. "O cenário era de muito risco e desespero. Tinha risco de explosão e choque elétrico. Eu participei do socorro da primeira vítima junto a mais dois outros médicos. Nesse dia, eu fiquei até 19 horas na cena. Eu já trabalho com isso há muito tempo, é bem pesado e triste, mas agradeço o dom que Deus me deu de ter podido ajudar da maneira mais rápida possível", relata Moura, com a voz esperançosa de que mais pessoas com vida ainda serão encontradas.
"Tudo isso envolve uma rede enorme de trabalho. Bombeiros, socorristas, moradores que também estão vivendo esse luto de alguma maneira. Temos que saber do que eles realmente precisam", indica o psicólogo Antônio José Sarubi. Livramento é o que define a situação pela qual Paula Vitória, 23 anos, passou. Ela era moradora do terceiro andar do Edifício, mas, no momento do desastre, estava viajando a lazer. "Se eu estivesse em Fortaleza, ia estar lá dormindo, porque só trabalho à tarde. A pior coisa para mim foi saber isso porque se estivesse lá com certeza não estaria aqui para contar a história. Eu cheguei a pensar que isso pudesse acontecer, mas a gente nunca acha que vai acontecer com você", conta a estudante que morava no local há apenas quatro meses.
Já para Darrielle Gomes Mororó, 37 anos, a sensação de pertencimento ao Andrea ainda era muito forte. Mesmo já morando em Iguatu, ela ainda mantinha muitas memórias no local onde, segundo ela, vivenciou os momentos mais bonitos de sua vida. Darrielle conta que entrou em estado de choque quando soube do desabamento.
"Minha vida foi ali, eu fiz amigos, me casei ali, engravidei, tive minha filha. Tudo isso morando no Andrea. Passou um filme na minha cabeça quando eu soube. Se eu não tivesse vindo morar em Iguatu, certamente ainda estaria morando lá. Assim que soube, eu fui direto ver as fotos antigas da minha filha, que passou seus primeiros anos lá", diz a enfermeira.
Darrielle viu também amigos passarem por situações difíceis. Ela era amiga dos pais de Davi Sampaio, o estudante de 22 anos que estava sozinho no apartamento e também foi resgatado.
"O pai do Davi foi a primeira pessoa que meu marido ligou". Ela conta também conhecer Vicente de Paula, idoso encontrado morto, ontem, e a síndica Maria das Graças. "Tanta coisa que já vivi lá. A gente fica muito abalada e reza por todo mundo", finaliza.
Para estas pessoas e as que estão sofrendo com as perdas mais diretamente, a esperança e as orações são maneiras de conforto em meio à dor que o desabamento vem causando. As redes de apoio de psicólogos e médicos estão, 24 horas por dia, à disposição de quem precise, no local do da ocorrência.
Escutas
Durante os dias de resgate, diversos psicólogos estão realizando ações voluntárias de escuta terapêutica dos parentes, das vítimas e dos profissionais que atuam no local. O Conselho Regional de Psicologia da 11ª Região tem organizado a s ações.
Segunda etapa
Conforme o psicólogo Antônio José Sarubi, o Conselho da categoria prepara um segundo momento de atendimento. A entidade acordou com o comitê de crise que irá centralizar o cadastro de novos psicólogos voluntários.
Cadastro
O psicólogo que desejar ajudar na segunda etapa do processo de acolhimento das vítimas e parentes, deve cadastrar seu nome, telefone e CRP, no site: crp11.org.br