Medos. Culpas. Dores. Efeitos de violações que se repetem. A violência sexual, abominável pela perversidade, quando cometida contra crianças e adolescentes agrava as condições de vulnerabilidade. O estupro de uma criança de 11 anos na Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPL V), em Itaitinga, Região Metropolitana de Fortaleza, no último sábado (13), evidenciou quão brutal é esse tipo de crime. No Ceará, os índices de violência dessa natureza são altos e, em 2017, a cada 10 vítimas de violência sexual, 7 foram crianças ou adolescentes.
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Na ocorrência em Itaitinga, a vítima é irmã de um interno e foi estuprada por um outro detento da unidade, durante o horário de visitas. As informações foram confirmadas pelo presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Ceará (Copen), Cláudio Justa, e por uma fonte da Polícia Civil. A vítima entrou na CPPL junto à mãe para auxiliar na entrega de produtos pessoais para o irmão, que está recolhido na unidade. Durante a visita, porém, um outro detento a levou para um compartimento e a violentou.
Situações semelhantes de violência sexual se repetem em outros ambientes. Dados obtidos junto à Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) apontam que no Ceará, em 2017, foram registrados 1.807 crimes de violência sexual, o que, segundo a pasta, inclui: estupro, estupro de vulnerável e exploração sexual. Destes, em 1.412 as vítimas tinham entre 0 e 17 anos. Em 2018, até julho, foram registrados 1.040 crimes sexuais no Ceará e em 827 ocorrências as vítimas eram crianças e adolescentes. Isto equivale a 79,50% dos casos.
Atendimentos
Se os crimes e as quantidades assustam, as lacunas de infraestrutura e integração da rede de atendimento das vítimas acentuam traumas. Demandas sociais, jurídicas e de saúde física e mental são algumas das necessidades apresentadas pelas vítimas. Mas, o percurso, muitas vezes, é precário na rede de atendimento.
Essas violações, explica a assessora jurídica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), Dillyane Ribeiro, envolvem relações de gênero, raça, poder e recortes geracionais, dentre outras dimensões. Crimes de consequências complexas e que demandam a garantia de atendimentos integrais e planejados para as vítimas.
"A vítima é prioridade. Mas hoje uma criança que sofre violência sexual não tem acesso garantido ao atendimento psicoterápico. Falta também integração física da rede de atendimento, pois os equipamentos são localizado em pontos diferentes", diz Dillyane
Em Fortaleza, conta ela, os gargalos são, dentre outros, a carência de centros de referência especializados em assistência social e de Conselhos Tutelares. "De maneira complementar, temos a Rede Aquarela que um dos diferenciais é o atendimento psicoterápico. Mas ela só atende a três regionais, sendo que a Regional V, que registra o maior número de casos, não é atendida".
Além disso, ela destaca que não há delegacias especializadas no interior do Estado. A Polícia Civil confirma que conta apenas com uma Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca), localizada em Fortaleza e informou, por meio de nota, que está em andamento a criação de uma nova lei para alterar a estrutura a Polícia Civil e possibilitar que ocorrências cujo as vítimas sejam menores de idade possam ser investigadas nas demais delegacias.
Lacunas
A coordenadora do Centro de Referência de Assistência Social (Creas) Regional Fortaleza, Francisca Ligiane, reforça as lacunas encontradas no interior. Segundo ela, o Estado possui apenas dois Creas Regionais (Fortaleza e no Cariri), que existem justamente para atender municípios de pequeno porte que não têm condições de estruturar equipamentos da rede de proteção. "Como os municípios não têm condição de arcar, o Ministério do Desenvolvimento Social, permite a regionalização do serviço. As prefeitura devem dar contrapartidas mas há uma série de obstáculos".
O Creas Fortaleza atende os municípios de Chorozinho, Acarape, Barreira, Guaramiranga e Pindoretama. Nesses locais, a população tem acesso às equipes de atendimento duas vezes por semana. "Os municípios deveriam ter pelo menos um técnico de nível superior e médio, mas a maioria não tem o nível superior", conta. Segundo Ligiane, a falta de retaguarda dos municípios é evidenciada também no déficits na oferta de atendimento psicológico às vítimas.
Para reverter o quadro de violência e traumas, além de estruturar a rede de atendimento e fortalecer a responsabilização dos agressores, os agentes atuantes na proteção da população infantojuvenil afirmam que é necessário investir também em ações preventivas. "Nós precisamos empoderar crianças e adolescentes para se apropriarem dos seus corpos. Que elas entendam o que é consentimento. Elas precisam ser educadas para se proteger", afirma a representante do Cedeca, Dillyane.
A avaliação é reiterada pela coordenadora da Rede Aquarela, Kelly Menezes. "Esse tema ainda encontra muitas barreiras. As escolas têm um grande desafio e a nossa equipe de disseminação leva o tema da violência para todos os espaços que atuam com crianças e adolescentes. Além disso, fazemos oficinas com as próprias crianças e adolescentes. Com uma metodologia adequada. Para levar essa informação para que eles consigam se defender e prevenir a ocorrência da violência sexual. Caso, elas se percebam vítimas, possam denunciar, buscar ajuda a partir daquela informação".
Em relação ao estupro na unidade prisional, a SSPDS informou ontem que foi registrado um procedimento de estupro de vulnerável na Delegacia Metropolitana do Eusébio.
Violência sexual
É qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não.
No Brasil, a Lei Federal 13.431/2017 estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.
Abuso sexual
Segundo a norma federal, o abuso sexual é um tipo de violência sexual, sendo conceituado como ação criminosa que inclui práticas como desnudar, tocar, acariciar as partes íntimas de crianças e adolescentes, levá-los a assistir ou fazê-los participar de atos sexuais de qualquer natureza.
Exploração sexual comercial
De acordo com a legislação federal, é o crime que usa criança ou adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico.
Opinião
Informar ajuda a prevenir
Esse tema ainda é cercado de tabus e há um equívoco grande de que não se pode falar sobre esse assunto porque a criança não tem condições de entender, mas existem métodos que não vão levar nenhum conteúdo inadequado para a idade dela. Ela deve compreender o que são carinhos bons e ruins. Uma vez informada, essa criança tem mais chance de se defender de qualquer investida de violência por um adulto. Tem mais condições de reconhecer o que é ruim para ela, o que é invasivo, e também buscar ajuda.
Kelly Menezes
Coordenadora Rede Aquarela