O Diário do Nordeste iniciou uma série especial sobre a vida pós-futebol de ex-jogadores que brilharam em solo cearense. São histórias de superação, angústias, reviravoltas e também de realização pelo novo momento, que muitos classificam como uma nova "vida" após carreiras de sucesso como atletas.
Não à toa, muitos dizem que o jogador de futebol morre duas vezes: primeiro quando para de jogar. São humanos, com acertos, erros, mas muita determinação para vencer na nova vida. Quem abriu a série foi o ex-atacante Mirandinha, e o 2º personagem do Especial é outro vencedor incontestável nascido no nosso Estado. Dudu Cearense.
Multicampeão com 21 títulos ao longo de 18 anos de carreira, com passagens vitoriosas por CSKA Moscou, da Rússia e Olimpiakos, da Grécia, além de clubes brasileiros como Vitória (clube pelo qual foi revelado em 1998 após ser descoberto nas categorias de base do Ceará), Atlético Mineiro, Goiás, Fortaleza e Botafogo, Dudu venceu na vida como jogador de futebol, tendo uma carreira das mais sólidas e de sucesso.
O cearense de Fortaleza, que chegou inclusive a atuar pela Seleção Brasileira, pendurou as chuteiras em 2019, aos 35 anos, e precisou dar o próximo passo que todo atleta encara: o que fazer após o fim da carreira de jogador de futebol.
Mas ao contrário de muitos jogadores de futebol, encerrar a carreira não foi algo traumático para ele e sim planejado, mais precisamente três anos antes de pendurar as chuteiras. Hoje Dudu garante estar mais realizado do que na época de jogador, como assessor de investimentos, trabalhando com gestão financeira e patrimonial de atletas de futebol.
"A minha transição foi tranquila. Três anos antes de encerrar a carreira eu preparei minha mente para o fato. Eu era apaixonado pelo mercado financeiro. Eu não queria ter uma escolinha de futebol ou viver a vida de treinador, que praticamente tem uma vida mais pesada que de jogador, fica 24 horas no clube pensando na estratégia, como vai jogar. É uma profissão muito volátil, não tem certeza de nada", disse ele.
Assim, Dudu escolheu se especializar no mercado financeiro, como foco em gestão patrimonial e financeira dos jogadores de futebol. O grande salto foi conseguir a certificação da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord). Na segunda tentativa, ele passou na prova e se tornou um Agente Autônomo de Investimentos (AAI).
"Comecei a estudar em 2014 o mercado financeiro e me transformar em um executivo. E 2019 recebi convite de duas empresas fortes para fazer toda gestão patriminial e financeira. Eu teria que fazer uma prova da Ancord e virar investidor profissional. Alguns só passam na 4ª vez, na 1ª não passei, mas como eu fui atleta e cearense que não desiste nunca, fiz de novo e na 2ª eu passei. Após isso abriu um leque de oportunidades. Eu sou o 1º ex-jogador ex-Seleção Brasileira a me tornar um asessor de investimentos no mercado financeiro. O Willian (Machado) ex-Corinthians, está neste ramo, já a mais tempo", explicou.
Aceitação
Aos 37 anos, casado, pai de duas filhas, residente em Salvador (BA) e com um patrimônio sólido, Dudu não queria viver só do nome de jogador, por isso investiu em uma nova carreira. E ele tem grande aceitação entre os jogadores de futebol por ter sido atleta e vivido muitas situações semelhantes, facilitando em um aconselhamento não só financeiro, como também pessoal.
"Eu sempre pensei em empreender após minha carreira. Eu fui muito profissional na minha carreira, que foi de altíssimo nível, mas sabia que um dia isso ia acabar. E não queria viver do meu nome, e sim da minha nova profissão. Por mais que eu tenha um patrimônio, dinheiro, eu queria ter uma nova profissão e que posso prosperar na vida no meio dos atletas. Eu queria ter uma nova profissão, ajudar a minha categoria, dos atletas, com gestão patrimonial. O trabalho é de um ex-atleta para um atleta, pois eu sei das dores deles, do que eles precisam. Eu ja vivi isso".
A maior motivação de Dudu Cearense é gerir financeiramente a carreira dos jogadores, para que ao parar de jogar futebol, desfrutem de uma aposentadoria confortável. Muitos jogadores não conseguem gerir bem a carreira, gastam tudo que tem e não é incomum um fim de trajetória como jogador melancólico, passando por necessidades.
Em uma de suas postagens na rede social, Dudu Cearense foi direto sobre seu trabalho com a atual geração de jogadores de futebol: "Você já foi enganado no futebol? Eu já. Mas não quero que você passe por isso".
"O patrimonio financeiro é de curto, médio e longo prazo. Isso entendendo a idade de cada um. Eu não penso nele só como atleta e sim um ser humano, o pós-carreira e manter um padrão de vida que ele quer. Eles não imaginam que a carreira passa rápido. Muitos perderam muito dinheiro por má gestão, pessoas que só querer sugar dos atletas, questões familiares. Muitos jogadores acham que vão ganhar 50 mil por mês para o resto da vida. No dia em que ele entender que o jogador tem uma profissão que tem validade, ele é um produto e tem validade, que nada dura pra sempre, ficará mais fácil gerir a carreira", disse.
Realidade
A gestão de carreira e controle financeiro faz todo sentido quando a realidade do futebol no País é escancarada. Aquele mundo de fantasia de ganhar milhões de reais ou de dólares é restrito a poucos, muito poucos.
Apenas 0,09% dos jogadores de futebol conseguem ganhar valores acima de R$ 50 mil em algum momento da carreira
Um estudo da auditoria Ernst & Young (EY), encomendado pela CBF, com dados de 2018 (o último lavantamento neste sentido), mostra que o futebol brasileiro é composto por 360.291 atletas, sendo que apenas cerca de 350 ganham mais de R$ 50 mil mensais – ou 0,09%. Lá no topo, com salários acima de R$ 500 mil, apenas 13 jogadores. Ou 0,003% de todos os jogadores do país. A grande realidade do jogadores de futebol é um salário baixo: 55% dos jogaores ganham até R$ 1 mil e outros 33% de R$ 1.001 a R$ 5.000.
Por isso o número de jogadores que encerra a carreira sem dinheiro ou endividados é enorme. Dudu Cearense trouxe um dado alarmante. Segundo ele, 80% dos atletas após 5 anos ficam endividados e 20% deles após 5 anos vão a falência. Assim, um dos objetivos dele é mudar esse quadro tão triste.
"Eu Dudu cearense vou diminuir essa porcentagem. Estou mudando a forma que o atleta é assesorado. Muitos tem esse receio de recomeçar, de investir. Vejo muitos jogadores com vergonha de recomeçar. Quem nunca errou na carreira? Na vida? Eu também errei. Ninguém é perfeito. Mas sempre é possível se planejar, independente do estágio da carreira do jogador. Tem atleta que me procura para organizar a vida, entender de impostos, Receita Federal, concientização financeira. Ter uma vida desorganizada é muito fácil. Organizada é muito dificil. O atleta me procura para organizar a "casa" primeiro e depois começarmos".
Acolhimento
O ex-jogador não citou nomes de atletas que asessora, mas mantém contato mensal com 40 deles, em cinco reuniões diárias.
"Eu atendo todos os atletas, de todas as idades, de todos os clubes, dos que estão iniciando a carreira aos que tem milhões na conta. Não tenho restrição nenhuma, se o atleta ganhar mil reais, comigo ele vai ter atendimento como personalité, começo da carreira até o final, eu não posso atender mais de mil atletas durante o dia, eu estou atendendo por mês, no máximo 40 atletas, em reuniões diárias, de até 5 reuniões diárias, apaixonado por isso, em ver a carteira dos atletas se multiplicando ao longo do tempo dá uma satisfação imensa, ajudando de fato a minha classe. Não tem diferenciação, se joga na Tailândia, Catar, Ceará, Japão, Russia, Seleção Brasileira, o atendimento é o mesmo".
Para auxiliar na gestão de carreira do jogador, Dudu cita 4 etapas de acordo com a idade e citou um exemplo de um jogador de 30 anos que almeja recuperar o tempo perdido. Com experiencia no futebol russo e grego, o cearense cita algumas necessidades dos seus clientes.
"Dos 15 aos 20 é o período de contrução da carreira, 20 aos 25 de crescimento, de 25 aos 30 a consolidação e dos 30-40 o pós-carreira. Assesoro um atleta de 30 anos que me perguntava se dava tempo de corrigir o tempo perdido. Eu quero realizar os sonhos dele.Eu quero entender a mente dele. Como ele está, se está longe do seu país, dos filhos, se a família pode sofrer com ele fora, como investir o dinheiro dele, se ele quer voltar para o Brasil e manter o padrão. Esse jogador quer voltar e já carteiras fora do país. Eu darei toda a estrutura se precisar".
Por fim, Dudu surpreendeu ao afirmar que é mais realizado hoje como assessor de investimentos do que foi como jogador. Ele que conquistou 21 títulos ao longo da carreira com camisas pesadas como as do CSKA Moscou, Olimpiakos, Atlético Mineiro, Botafogo, Goiás e Fortaleza, além da camisa da Seleção Brasileira, sendo campeão da Copa do Mundo Sub-20 em 2003 e da Copa América em 2004.
"Hoje eu sou muito mais realizado. Eu sou muito grato ao futebol, eternamente. O Dudu que jogou bola é o mesmo de hoje, mas em outra profissão. Minha satisfação é tão grande no mercado financeiro porque eu não dependo de um time, de treinador, outros jogadores, de fato para ter sucesso. Na minha profissão agora tive que estudar, perder noite, conseguir certificado, fazer prova, em todo um processo de estudo, de conhecimento. O maior desafio é atender os atletas da melhor forma possível. Hoje me sinto muito mais realizado. É um mercado que nunca vai acabar. Hoje posso ter uma carreira até os 100 anos, porque não para cara, sempre terá jogador precisando de auxílio financeiroconsegui uma carreira para o resto da minha vida, ".
Próximo passo
Mas se engana que o cearense está satisfeito. Ele quer ensinar jogadores a trabalhar no mercado financeiro, selecionando pessoas para trabalhar com ele, como um time.
"Em dezembro vou separar 10 bolsas do mercado financeiro para jogadores. Serão 3 dias de imersão em São paulo em junho e no final do ano. É a possibilidade de ter um pós carreira. a mesma que eu tive, diferencial, dar tudo pronto não tive isso. Fui errando e estou aqui. Selecionar esses caras para trabalhar comigo, se eu tiver 10 atletas comigo dá para conseguir".