Cleomar teve pouco acesso a roupas quando era criança. As peças que usava eram feitas à mão pela própria mãe, visto que máquina de costura também era uma realidade distante. Quilombola do Cumbe, no município de Aracati (a 148,4 km de Fortaleza), a pescadora e artesã vive hoje, aos 46 anos, uma dessas experiências cultivadas em seus sonhos infantis: desfilar com um look produzido por ela mesma.
Uma das 45 mulheres contempladas pelo projeto “Faz Teu Nome” - responsável por capacitações em Direitos Humanos, Empreendedorismo Social, Marketing Digital e Moda -, Cleomar subirá na passarela do Clube dos Empregados da Petrobrás, na Praia do Futuro, às 17h deste sábado (21), vestida da identidade ancestral que lhe pertence.
A gente sabe que sofreu um processo colonizador muito forte e que ainda vivemos nele, infelizmente, mas eu acho que por meio da força de afirmação da nossa história, a gente rompe essas barreiras, quebra essas amarras que às vezes ainda querem nos prender”, introduz a quilombola.
Das mãos de Cleomar e de demais integrantes do Cumbe, saíram algumas peças com a técnica de labirinto, bastante comum entre as artesãs do quilombo. Outras apostaram em elementos naturais, a exemplo das conchas marinhas e da palha da bananeira, ligadas à realidade das pescadoras e agricultoras da região.
“Há uma relação de pertencimento muito forte, e a gente tem essa visão de futuro de poder crescer por meio disso. Não só ser um produto, mas de ali estar levando uma história, uma identidade; a humanidade de pessoas que se comprometem com a vida, com o bem-estar, com o respeito à diversidade, a defesa dos direitos humanos, do meio ambiente”, pontua Cleomar.
Coleção colaborativa
Além do Quilombo do Cumbe, o projeto “Faz Teu Nome” - realizado pela União de Jovens do Vicente Pinzón (UVJP), com apoio da Secult e recursos da Lei Aldir Blanc - contempla também integrantes de outros dois lugares que atendem mulheres cis e transgênero, negras e periféricas, em situação de vulnerabilidade social: a Associação Arte Costura e a Casa de Andaluzia, ambas de Fortaleza.
Elas foram selecionadas por meio de um edital e, desde o início de 2021, passaram por inúmeras formações virtuais e presenciais, incluindo fundamentação teórica e prática. A mentoria em moda se deu com a estilista Silvania de Deus, com a qual estudaram todas as etapas para elaboração de peças, desde a criação até a negociação com lojas colaborativas.
“A moda constrói narrativas, abre novos mundos, sem contar com a força linda e potente que nos invade a descoberta de que podemos sermos seres mais autônomos e capazes de gerir nossa própria vida e sustento sozinhos. Isso é libertador, cria asas”, acredita Silvania, referência em moda autoral há mais de 20 anos na capital cearense.
A costureira e artesã Edineuza dos Reis, 53 anos, é prova viva disso. Coordenadora da Associação Arte Costura, ela atua desde 2005 com as mulheres do Grande Vicente Pinzón, que inclui bairros como Conjunto São Pedro, Santa Terezinha, Mucuripe, Alto da Paz, entre outros.
Eu casei muito jovem. Era uma criança, tinha 14 anos, e fiquei dentro de casa cuidando do marido e das meninas. Achei que minha vida era ser só aquilo e quando comecei a participar desses grupos, eu vi que podia mais. E é isso que eu passo para as meninas. A gente também tem valor, pode ter nossa renda, pode ser profissional”, partilha.
Segundo ela, 17 mulheres da Associação participaram da iniciativa que culminou na coleção autoral “Ritmos, cores e encantos”.
“O projeto ‘Faz teu nome’ veio completo. Um curso desses, na nossa opinião, é um muito caro pelo nosso poder aquisitivo, de mulheres que viviam dentro de casa, desempregadas. Mas se elas quiserem hoje trabalhar na área da costura, têm como fazer isso, porque aprenderam desde como montar empresa, onde vender, até modelagem, costura, escolha de cores de tecidos”, conta Edineuza.
Modelos e empreendedoras
Em respeito às orientações sanitárias em vigência no Estado, o desfile da coleção será fechado para convidados. Na ocasião, conforme explica Silvania de Deus, as autoras serão protagonistas, mostrando elas mesmas suas criações em seus corpos reais.
Cerca de 50 peças autorais serão apresentadas neste primeiro momento e, a partir do dia 1º de setembro, elas estarão à venda em lojas colaborativas da cidade.
“Os preços das roupas serão definidos logo após o desfile. O valor da venda será revertido para as alunas como reconhecimento de sua autoria e estímulo das mesmas”, finaliza Cristiane Pires, produtora executiva do projeto “Faz Teu Nome”.