Aulas de português, matemática e outras disciplinas ministradas pela televisão e complementada por orientadores presentes em sala. Por mais de 30 anos, o Ceará adotou um sistema de telensino que, mesmo alvo de críticas, ajudou a formar milhares de estudantes.
A era das teleaulas começou em 1974, por transmissão através da TV Educativa (hoje TV Ceará). O objetivo inicial foi aumentar a cobertura educacional nas séries finais do ensino fundamental, diante da falta de professores nesse nível, sobretudo no interior do Estado.
Isso porque, dois anos antes, houve a instituição da Lei 5.692/71, que estabeleceu o ensino de 1º grau obrigatório, com duração de oito anos.
Inicialmente, a proposta cearense era emitir aulas somente para as 5ª e 6ª séries, nos municípios de Fortaleza, Paracuru, São Gonçalo do Amarante, Cascavel, Pacajus, Maranguape, Caucaia, Beberibe e Trairi, totalizando cerca de 4 mil alunos em 30 escolas.
Em 1976, o sistema foi ampliado até a 8ª série e já estava em 34 cidades, chegando a mais de 12 mil alunos, segundo a dissertação de Roberta Oliveira, mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e hoje professora de educação básica da Prefeitura de Maracanaú.
“Esse modelo foi pensado para ficar pequeno, realmente, porque o Governo não tinha braço para alcançar todo o Estado. Exigia muito dinheiro colocar TV em todas as escolas, e ainda não existiam financiamentos como o do Fundeb”, conta.
À época, os módulos de cerca de 10 minutos de duração eram transmitidos ao vivo a partir dos estúdios da TVE. A atividade pedagógica dentro da sala cabia a um profissional chamado “orientador de aprendizagem”, que mediava o ensino e tirava dúvidas.
Os estudantes também contavam com impressos complementares: o manual de apoio e o caderno de atividades. As notas bimestrais eram mesclas de duas avaliações parciais com uma nota de desempenho individual a partir do comportamento e vivências de classe.
Quem tem boas recordações do modelo é a dona de casa Ana Maria dos Santos, 51, que cursou na década de 1980. “Até as provas eram passadas na TV5”, lembra.
“Eu gostava desse formato porque a gente tinha muita dinâmica, participava mais do que hoje em dia, tirando dúvida para entender melhor o conteúdo. No meu Ensino Médio, que foi regular, já senti a diferença”.
Ela também percebe que nem todos os colegas aceitavam bem o modelo. Alguns “davam mais trabalho”, outros simplesmente não gostavam, e ainda havia aqueles com “dificuldade maior, porque a gente tinha que ficar prestando bem atenção”.
A pesquisadora Roberta Oliveira também conta que se criavam vínculos entre os estudantes e os professores apresentadores: cartas eram enviadas à equipe de produção com perguntas que eram respondidas ao vivo.
“Apesar de ser um governo militar, eles queriam alunos críticos, não era só sentar em frente à TV. Por isso os colegas discutiam, quem sabia um pouco mais ajudava quem sabia menos. A equipe foi bem articulada e tentou implantar o melhor que conseguiu”, observa a professora.
‘Universalização’ do modelo
Em 1993, a metodologia de ensino foi ainda mais incentivada e se tornou obrigatória em toda a rede estadual de educação. Em 1998, o sistema contava com cerca de 270 mil alunos matriculados nas quatro séries finais do Ensino Fundamental, em mais de 150 cidades.
alunos em todo o Estado foram formados com as teleaulas, de acordo com a TV Ceará.
Foi nessa segunda fase que a bibliotecária Rannádia Virgulino, 39, também participou do programa - mas sem a mesma empolgação de Ana. “Fiz somente a 5ª série, em 1994, mas não foi um ano letivo bom”, resume.
O principal motivo apontado por ela era a dificuldade de apenas uma professora lecionar todas as disciplinas, embora fosse especializada apenas em História. “A gente sentia muita dificuldade principalmente em disciplinas exatas, por isso acho que foi um ensino deficiente. Depois, tive que recuperar por conta própria, estudar mais”, relata.
Além disso, como as aulas gravadas eram transmitidas em horário específico, não havia como repor o conteúdo se o aluno precisasse faltar em alguma ocasião. Apesar da experiência, Rannádia considera a importância das teleaulas.
Sei que hoje elas são uma realidade. Você pode estudar pela internet, pelo celular, mas a presença do professor é muito importante. As telas não substituem o ser humano.
O fim do Telensino
De acordo com relatórios do Projeto Escola do Novo Milênio (PENM), da Secretaria Estadual da Educação (Seduc), a virada para os anos 2000 iniciou um processo gradativo de substituição do Telensino pelo ensino convencional.
Assim, a metodologia das TVs em sala de aula foi excluída do PENM em 2007, “devido à insegurança existente quanto ao padrão de qualidade de ensino do programa”, após avaliações realizadas em 2001 e em 2005.
Elas descreveram problemas como a insatisfação da comunidade escolar com a qualidade da metodologia e a falta de capacitação adequada para os orientadores de aprendizagem, além de entenderem que “o programa atendeu à necessidade de expansão da cobertura”.
Embora tenha sido encerrado, o telensino encontra ecos nas aulas online e na Educação à Distância (EaD) que foram aprimoradas nos últimos anos, sobretudo durante a pandemia da Covid-19, na percepção da professora Roberta Oliveira.
“É a mesma lógica: se está levando educação para quem não tem acesso. As aulas também são gravadas e você vai responder ao Ambiente Virtual de Aprendizagem. Além disso, você não tem acesso ao professor, mas a um tutor que vai tirar as dúvidas. Acho que a EaD pode não dar certo para a educação básica, mas, para adultos, é uma solução”, pondera.