“Muita incerteza, muita saudade, nada concreto.” As primeiras palavras de Ronaldo Prado sobre o sumiço da prima, a aposentada Maria Araújo de Mesquita, 60, resumem o que quase todo familiar de alguém desaparecido no Ceará descreve: um vazio.
Em fevereiro de 2021, Maria saiu de casa, em Fortaleza, provavelmente para ir à igreja, já que é descrita como “uma pessoa dedicada à família e muito religiosa”. Há um ano, essa é a última notícia que se sabe sobre ela.
“Ninguém sabe de nada, precisamos de uma resposta que só quem pode dar é a polícia. Todos os dias dormimos e acordamos pensando nesse problema. Ninguém entende esse mistério”, desabafa o primo.
Segundo Ronaldo, a Polícia Civil do Ceará, responsável pelas investigações, informa apenas que “é um caso minucioso, que continuam as buscas”. E nada além disso. Os familiares de Maria mantêm a esperança numa certeza: “não existe crime perfeito”.
Nesta quinta-feira (24), completam-se 4 meses desde que o tio da assistente de educação infantil Shamadhar Sampaio, 35, desapareceu como gelo sob água. Numa manhã de domingo, Cícero Mendes da Silva, 42, saiu da casa da mãe e não chegou a lugar algum.
“Ele tomou banho, se arrumou, foi pra casa da minha sobrinha, brincou com o filho dela lá, normal. Ligou pra esposa dizendo que estava indo pra casa, e depois disso ninguém soube mais dele”, relata Shamadhar.
De lá para cá, segundo a sobrinha, “nada, nada, nenhum sinal”. Chegaram a ouvir que, naquele dia, Cícero havia ido à praia com alguns amigos. Mas ninguém, nem um amigo, confirmou a informação.
A Polícia está acompanhando, mas só diz que ‘não tem nada de novo’. A gente sempre divulga como pode, em redes sociais. A família fica angustiada, desolada, não sabe nem o que pensar. Só quer que apareça ele ou o corpo.
O vazio é compartilhado pela família de um adoescelente de 17 anos, morador do Jardim Bandeirante, em Maracanaú, que desapareceu em abril de 2021 após sair de casa para vender bingos.
A lembrança de alguém “comunicativo”, “amável” e que “gostava de brincar com todo mundo” reforça a dificuldade em entender as causas do sumiço. “Ele tinha 17 anos, era adolescente, tinha a vida dele. Não convivíamos 24 horas, então fica o questionamento", confessa a irmã (identidade preservada).
Ela explica que o jovem era "muito querido" pelos vizinhos do bairro, mas reconhece que “a gente não conhece todo mundo”. Nove meses depois, permanece a “dúvida torturante” se um dia o rapaz voltará para casa.
Efeitos nas famílias
Larissa Leite, responsável pelo programa Pessoas Desaparecidas e suas Famílias do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), confirma que o desaparecimento está ligado a várias circunstâncias, mas que o Brasil ainda não tem uma centralização das informações, o que impede a análise das causas e o desenvolvimento de ações preventivas.
O que se sabe, porém, é que o desaparecimento leva muitas famílias ao sofrimento de uma “perda ambígua”, que é diferente do luto da morte por se manter entre a esperança do reencontro e a angústia da incerteza.
Esse processo prolongado, além de ser muito doloroso, é bem incompreendido. A falta de um fechamento gera essa vinculação à dúvida, as famílias se jogam numa busca, saem de porta em porta, recebem trotes. Dedicam muito tempo e ficam muito expostas.
Entre as consequências da falta, estão o adoecimento mental (geralmente com ansiedade e depressão), físico e a dificuldade em permanecer no trabalho.
“Além disso, quanto menos ajuda recebem, mais elas se percebem sozinhas”, alerta Larissa, defendendo que haja profissionais e serviços capacitados para acolher essas pessoas.
Cuidados com o reencontro
Larissa Leite pondera ainda que, embora o reencontro familiar seja um momento especial, “é preciso ser cuidadoso e estar disponível para apoiar” o parente. Tanto o encontrado como os familiares precisam de acompanhamento porque o retorno “não significa que tudo está solucionado”.
A psicóloga Alessandra Xavier reitera que “muitas vezes, quando essa pessoa volta, a situação não mudou”. Logo, a família deve receber atenção especializada, como sessões de terapia familiar, aconselhamento e conversas com assistentes sociais e psicólogos.
“A família pode estar adoecida, sem manter diálogo sobre questões importantes, suas dificuldades, história, segredos e perdas. Muitas pessoas estão juntas, mas não se conhecem e vivem num ambiente cruel. É importante que as discussões cheguem às famílias e aos adolescentes nas escolas”, recomenda.
Informe às autoridades
No Ceará, a 12° Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) é a unidade da Polícia Civil responsável por investigar esses casos. A orientação é informar sobre desaparecidos de imediato, sem aguardar, porque as primeiras 12 a 24 horas são muito importantes para a investigação.
O denunciante pode registrar um Boletim Eletrônico de Ocorrência (BEO) na Delegacia Eletrônica (Deletron), no campo “Desaparecimento de Pessoa”. É importante preencher o máximo de informações possíveis sobre a pessoa e anexar uma fotografia recente.
O delegado Augusto Soares, da 12ª Delegacia do DHPP, ressalta que a investigação começa a partir do momento em que o desaparecimento é notificado, e que é importante o familiar fornecer o máximo de detalhes sabidos sobre o sumiço, como:
- Vida pregressa;
- Que roupa vestia;
- Últimos dia, horário e local onde foi visto;
- Se tem problemas mentais ou com uso de psicoativos;
- Que locais frequentava;
- Se tem redes sociais e telefone.
“Os desafios são imensos, porque Fortaleza é uma cidade gigantesca, e o número de pessoas que desaparecem é muito alto. Ano passado, encontramos 26 pessoas por mês. Cada uma tem uma história particular, tudo demanda aprofundamento”, destaca o delegado.
Augusto pontua, ainda, que um dos avanços no trabalho policial para encontrar desaparecidos, nos últimos anos, foi a possibilidade de usar as redes sociais e a internet a favor da investigação.
Hoje, nossa investigação não é só de campo. A equipe não vai apenas pra rua checar endereços e locais de trabalho, existe investigação de inteligência pela internet, pelas redes sociais.
pessoas tiveram desaparecimento informado à Polícia Civil cearense, em 2021. Delas, 312 foram encontradas com vida.
Em 2021, cerca de 44% das pessoas desaparecidas tinham de 30 a 59 anos de idade, e 7 a cada 10 eram homens. De acordo com a PCCE, os desaparecimentos ocorrem com frequência às segundas-feiras pela manhã, entre 6h às 11h59. Em 2020, 354 de 438 casos foram solucionados.
A população pode contribuir com as investigações repassando informações pelo número 181 (Disque-Denúncia) ou (85) 3257-4807, do DHPP, além das redes sociais da Delegacia. O sigilo e o anonimato são garantidos.