‘O que há de África em nós’: alunos de escola do CE fazem projeto e festival em combate ao racismo

Estudantes de tempo integral têm disciplina voltada ao antirracismo e à prevenção de violências dentro e fora das salas de aula

Combater discriminação e desigualdade desde a raiz: com educação. É com essa ideia que gestores, professores e estudantes de uma escola pública do Ceará consolidam, há pelo menos 5 anos, um projeto que começa na sala de aula e salta os muros da escola para pautar o antirracismo e disseminar uma cultura de paz e respeito.

Em 2018, com a implementação da jornada estendida, a Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) Lia Sidou, no município de Aquiraz, inseriu o estudo da cultura africana entre as disciplinas eletivas aos alunos – temática que se consolidou até virar o centro de um conjunto de atividades.

A professora Cybelle Alves, coordenadora da área de Ciências Humanas da escola, reforça que pautar a história e a cultura africana e afro-brasileira no currículo escolar é, além de obrigação legal (pelas leis nº 10.639/03 e 11.645/08), ferramenta efetiva de combate ao racismo.

“O projeto foi trabalhando a perspectiva de formação de opinião e consciência crítica do aluno sobre essa temática, pra combater o pensamento racista. Nosso objetivo vai desde a questão do conhecimento, formativa em si, até a parte da atitude”, pontua a docente.

O que era aula nas salas, então, se tornou roda de conversa com a comunidade escolar, seminários, debates sobre igualdade racial e discussões acerca das lutas coletivas do povo negro, da origem até os dias de hoje. Para coroar as atividades, professores e alunos produziram, neste ano, a segunda edição de um festival multicultural.

Em 2022, o tema foi “Africanidades”. Neste ano, mais direto: “o que há de África em nós”. “Colocamos os alunos para desenvolverem o protagonismo, com apresentações artísticas, voltadas à dança, religiosidade e vários aspectos da cultura africana”, explica Cybelle.

A professora afirma que a própria escola já vivenciou episódios de racismo entre os estudantes, o que mostra a necessidade de inserir o antirracismo como pauta diária. “Pensamos os projetos justamente pra mudar essa realidade”, destaca.

“Os alunos passam a ter um conhecimento geral em relação às religiões, a enxergar o outro de outra forma, ver que somos resultado desses povos africanos. Eles passam a conhecer que temos muito mais da cultura africana do que podemos imaginar”, completa a professora.

‘O maior desafio é sobre religião’

Um dos aspectos trabalhados nas disciplinas eletivas, no conjunto de atividades extraclasse e no festival multicultural realizado pelos alunos é a religiosidade de matriz africana – tópico que para o estudante Levi Teodoro, 16, que cursa o 2º ano do ensino médio, é “o maior desafio”.

“Na minha sala, muitos não quiseram participar das danças religiosas no festival, por preconceito. Sentamos com a sala toda e conversamos, para mudar a perspectiva”, relembra o jovem.

“Muita gente já vem de casa com essa intolerância, mas muitos deixaram de enxergar isso como enxergavam. Já houve uma mudança muito grande, porque o projeto desenvolve o nosso protagonismo até no modo de pensar e enxergar o outro”, frisa Levi.

Seja por meio da dança, do teatro ou das tarefas em classe, o jovem reconhece que falar sobre racismo e disseminar conhecimento é a principal estratégia para combater esse crime. “É uma forma de valorizar a cultura e buscar a redução dessas desigualdades”, finaliza.

O que diz a lei

Neste ano, a Lei nº 10.639 – que inclui a temática “História e Cultura Afro-Brasileira” como obrigatória no currículo oficial das escolas – completou 20 anos.

O conteúdo deve abordar a História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, “resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”.

Já em 2008, um novo dispositivo legal – lei nº 11.645 – incluiu o estudo sobre os povos indígenas nos mesmos moldes, a ser aplicado “nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados”.