Dor nos olhos, vermelhidão, lacrimejamento… Os sintomas do Tracoma, doença causada pela bactéria Chlamydia trachomatis, podem ser similares aos de uma conjuntivite comum, mas com risco de levar até à cegueira. No Ceará, uma média de 1.200 casos da infecção é registrada por ano, afetando principalmente as crianças.
Só neste ano, em oito meses, foram 758 diagnósticos para a doença em 73 municípios do Estado. Em 2023, o total de casos de Tracoma fechou em 1.523, similar ao cenário de 2022, quando 1.426 pessoas foram detectadas com a infecção, conforme os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
Uma análise do cenário da doença do Ceará – entre 2019 e 2024 – está no boletim epidemiológico elaborado pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) publicado nesta semana. A pasta realiza vigilância do Tracoma em 97 dos 184 municípios do Estado, considerados como prioritários para a prevenção.
Em 2020 e 2021, houve uma queda significativa dos diagnósticos, mas devido à interrupção das ações de vigilância e ao fechamento das escolas durante a pandemia – cenário que já foi revertido.
“Os profissionais dos municípios prioritários são capacitados e todo ano vão até as escolas para examinar as crianças de 1 a 9 anos, porque 90% dos casos estão nessa faixa etária”, contextualiza Vívian Gomes, assessora técnica responsável pela vigilância do Tracoma na Sesa.
Assim que a criança é detectada com a doença, a unidade básica de saúde responsável pela área entra em contato com os pais, porque o tratamento é feito com azitromicina e há uma necessidade de comunicação
Os casos estão distribuídos de forma equilibrada entre meninos e meninas, sendo 46,1% dos pacientes moradores da zona urbana. A faixa etária mais acometida é a de cinco a nove anos, com positividade de 60%, e de 10 a 14 anos, com 15,6%.
Adolescentes, adultos e idosos também são acometidos pela doença, mas representam uma quantidade muito menor entre os pacientes, sendo apenas 2,1% dos casos.
O cenário cearense está dentro dos parâmetros propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que indica positividade menor do que 5% em relação ao Tracoma Inflamatório Folicular.
Mas, afinal, como se instala o Tracoma? A doença inflamatória ocular é a maior causa de cegueira infecciosa e ocorre em áreas de maior concentração de pobreza, conforme o Ministério da Saúde (MS). Um dos principais fatores é a falta de saneamento básico.
Devido às infecções repetidas, a doença produz cicatrizes na conjuntiva palpebral superior (parte que reveste a superfície interna da pálpebra superior). As lesões podem evoluir e causar mudanças na posição da pálpebra superior e dos cílios.
Além disso, o atrito com o globo ocular pode ocasionar alterações da córnea, provocando graus variados de opacificação, que podem evoluir para a redução da capacidade de enxergar até a cegueira.
Sintomas e diagnóstico
O Tracoma é transmitido por contato direto de pessoa a pessoa por meio de secreções oculares ou do nariz. Também há contaminação indireta por meio de toalhas, lenços e fronhas. Além disso, as moscas podem contribuir para a disseminação da doença por transmissão mecânica. A transmissão só é possível na presença de lesões ativas.
No Ceará, os profissionais da saúde avaliam um caso suspeito a partir de um paciente que apresenta histórico de conjuntivite prolongada ou com sintomas como ardor, prurido, sensibilidade à luz, dentre outros, especialmente na população de até 9 anos.
Além disso, quem teve contato com casos confirmados de tracoma deve ser considerado como um paciente suspeito para a doença. A confirmação da doença acontece por meio de exame ocular externo.
Os sinais e sintomas do Tracoma são:
- Fotofobia (sensibilidade e intolerância à luz)
- Prurido (coceira nos olhos)
- Sensação de corpo estranho dentro do olho
- Vermelhidão nos olhos
- Secreção
- Lacrimejamento
- Dor nos olhos
- Dificuldades de abrir os olhos
- Diminuição da visão
Para identificar a doença, basta um exame físico, como explica Vívian. “O profissional usa uma lupa pala com aumento de 2,5x e faz a inversão da pálpebra. Eles observam a ocorrência de folículos ou não”, detalha a especialista.
Além do início do tratamento, as pessoas em contato com um caso confirmado da doença são avaliadas também. Isso é feito para evitar que o Tracoma tenha recorrência e chegue às consequências extremas.
“Se ao longo da vida há várias reinfecções, o quadro vai para o Tracoma folicular que vai evoluindo para um Tracoma inflamatório e depois desenvolver cicatrizes. Se a criança se reinfecta, há um acúmulo de cicatrizes que leva ao quadro do cílio tocando o globo ocular e ao abrir e fechar o olho vai ocasionar a opacidade da córnea”, explica a especialista.
Tratamento do tracoma
O tratamento contra o Tracoma acontece por meio de antibiótico de dosagem com base no peso do paciente, sendo uma medicação de dose única disponível no Sistema Único de Saúde (SMS).
Com o tratamento, há a cura da infecção, interrupção da cadeia de transmissão da bactéria e diminuição da presença dela na comunidade, o que leva à redução da frequência das reinfecções e da gravidade dos casos.
Em áreas de alta ocorrência do Tracoma pode haver medidas de controle com o uso de antibióticos em massa. “É uma doença com forte determinação social, a dificuldade de ter acesso à água é um fator que impacta diretamente, juntamente com a ocorrência da bactéria, para a ocorrência dos casos”, acrescenta Vívian.