Quase seis meses depois de conseguir molhar os pés nas águas do mar de Fortaleza, desejo realizado durante os cuidados paliativos por causa de um câncer, Izabel Loiola, de 48 anos, partiu nesta segunda-feira (25). Dona de uma felicidade que não cabia num leito de hospital, a paciente inspira familiares, amigos e profissionais da saúde pela vontade de viver.
Izabel teve um agravo da doença e recebeu acompanhamento médico para deixar o Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), do Complexo Hospitalar da UFC/Ebserh (CH-UFC), onde se queixava de desconforto respiratório. As últimas palavras foram de agradecimento pela vida.
No caminho até a casa em Tauá, no Sertão dos Inhamuns, conseguiu ver o mar pela janela do carro na última semana. Izabel expressou o desejo por não prolongar o sofrimento com procedimentos invasivos e foi acolhida pelos familiares até o último momento.
“Muitas vezes, ela que consolava a gente, porque nunca perdeu a alegria. Sempre dizia ‘meu corpo está doente, mas minha alma está sarada até que chegue o final’”, conta o sobrinho, também tido como filho, Francisco Chagas Loiola Júnior, de 30 anos.
Foi uma semana envolta da família com ajuda de medicamentos. No entanto, a mulher precisou de atendimento hospitalar devido ao avanço da doença - protocolo já combinado com a equipe de Fortaleza.
O sepultamento aconteceu na manhã desta terça-feira (28) e o sentimento de ter feito todo o possível para dar conforto à Izabel traz felicidade para a família, como reflete Júnior. “Cuidamos dela até o momento final, sempre conversando com ela que estava tudo bem e ela podia descansar”, lembra.
Minha tia não teve filhos, nós somos os filhos dela, porque sempre estivemos ao lado dela. Guardo as lembranças da alegria, da força e do amor que ela tinha pela vida. Uma risada contagiante e o poder de alegrar todo mundo em volta dela
Antes de conseguir voltar para o interior, o último atendimento com a equipe que acompanhou Izabel desde dezembro de 2021 foi muito corrido, como lembra a médica geriatra e paliativista Cinara Franco.
A também coordenadora do Serviço de Cuidados Paliativos do HUWC lembra que o médico Yuri Nassar, com quem Izabel desenvolveu uma relação de amizade e fazia convites para ir ao mar, avisou sobre a urgência do estado da paciente.
“A doença tomou uma proporção de fase final de vida, mas ela continuava rindo e conversando. O que ela se queixava era de desconforto respiratório. Então, tivemos 24h para fazer com que ela ficasse bem pra voltar pra casa”, explica.
A melhora nas condições físicas aconteceram com o uso de morfina para controlar a falta de ar. Os médicos também conversaram com a paciente sobre as diretrizes antecipadas de vontade. Isso para entender como Izabel gostaria de partir.
Ela definiu que não gostaria de ser entubada, ir para Unidade de Terapia Intensiva ou fazer uso de suportes que prolongassem a vida, mas trouxessem sofrimento.
O que era mais difícil pra ela era comunicar para a família dela que a doença estava em um ponto em que não existia mais nenhuma possibilidade de controle. Ela encheu os olhos de lágrimas e chorou
Relação com o mar
Izabel contou ao Diário do Nordeste sobre a felicidade de conseguir ir ao mar durante o tratamento médico, quando também foi batizada, em uma reunião de amigos e familiares que marcou a areia da Beira-Mar.
Na época, ela relatou: “às vezes eu estava tão cansada, porque todo dia é igual no hospital e eu dizia ‘quero tanto ir para a praia, me deixem ir’”. O desejo foi realizado não só naquele dia, mas também em abril, quando a família voltou ao mar com a paciente.
“Ela estava se sentindo muito angustiada, fomos do Interior para Fortaleza e ela disse ‘eu vou para praia. Ela era uma pessoa muito piadista, sempre com histórias dela ou que aconteceram com alguém, mas que faziam a gente rir”, conta Júnior.
Ainda consciente, Izabel voltou a pedir o encontro com a imensidão onde a felicidade se ampliava. As condições físicas não permitiram o encontro, mas as memórias de alegria e fé no mar não serão esquecidas.
“Ela disse, de novo, que queria ver o mar, mas a gente não ia ter tempo para organizar tudo isso e conversou que era melhor tentar ir para casa e no caminho iria conseguir ver o mar, porque ela tinha essa conexão muito forte”, reflete Cinara.
O que são cuidados paliativos?
Os cuidados paliativos são parte de uma especialidade da medicina voltada a dar conforto e bem-estar aos pacientes com condições que ameaçam à vida. É uma visão mais ampla que não busca, necessariamente, a cura da doença, por exemplo.
Esse tipo de assistência permite a melhor qualidade de vida possível enquanto o paciente resistir e atende também a família para tornar o momento menos doloroso para todos.
“Saber que a gente conseguiu fazer o melhor até o último dia e o melhor nem sempre é a cura, porque não depende da gente. O que depende de mim, é controlar os sintomas para que ela não sofra”, comenta Cinara sobre o atendimento de Izabel.
Com sinceridade, paciente e médicos podem estabelecer os melhores protocolos para evitar a dor e o sofrimento.
“Eu consegui falar isso diretamente com ela e, na maioria das vezes, a gente não consegue fazer essas diretivas junto com o paciente, porque a família não quer ou paciente não consegue. Ela conseguiu, com paz e tranquilidade”, destaca.