Cidades vizinhas no Sertão cearense, Itatira e Santa Quitéria foram selecionadas para enviar 18 estudantes e dois professores da rede pública de ensino para um intercâmbio educacional de 10 dias em Portugal, em novembro. Pela primeira vez, o projeto ‘Era uma Vez… Brasil’ selecionou municípios cearenses para a iniciativa, que tem como objetivo incentivar o interesse dos alunos e educadores pela cultura e memória do país.
Todos os alunos selecionados são do 8º ano do Ensino Fundamental. A viagem é a terceira etapa do projeto, que já contou com a qualificação das equipes - quando produzem histórias em quadrinhos - e uma imersão cultural de uma semana em diferentes linguagens artísticas, que culminou na criação de curtas-metragens.
Com tudo pago através de uma parceria público-privada, os representantes cearenses visitarão escolas de Portugal para trocar experiências com estudantes. Eles estiveram nesta segunda-feira (2), em Fortaleza, para solicitar o passaporte à Polícia Federal. Para todos, será a primeira viagem internacional.
Alícia Lima, 14, da Escola Municipal de Tempo Integral Professora Antônia Lúcia Sales de Andrade, na sede de Santa Quitéria, quer ensinar aos portugueses sobre a riqueza cultural que indígenas nativos e africanos escravizados deixaram como herança para a sociedade brasileira. “Tem muita gente que coloca apenas os portugueses como heróis”, percebe.
No primeiro trabalho, “mesmo sem saber desenhar”, ela destacou o processo de abolição da escravatura que começou pelo Ceará, em 1884. Com a bagagem adquirida nas etapas anteriores, a menina se enche de expectativa para os futuros dias em Lisboa. “Acho que quando a ficha cair, ou vou estar gritando ou chorando”, ri.
Para Everardo Braga, 13, da Escola Francisco Paiva Rodrigues, em Riacho das Pedras, na zona rural de Santa Quitéria, é a Amazônia que ganhará destaque na discussão. “Os portugueses tiraram muitos tesouros nossos, mas ficou um. Os povos indígenas ainda hoje lutam por esse lugar, mas eles não tiram mais de nós”, argumenta.
Como o projeto explora histórias que não aparecem nos livros didáticos normais, Everardo quer conhecer o outro lado da moeda e escutar o que é falado nas aulas de Portugal. Além disso, a curiosidade espera ver “palácios, castelos e o porto, até pela trajetória da família real ao Brasil”.
História não oficial
Ronaldo Rodrigues, professor de História de Itatira desde 2014, na Escola José Pereira, passou por formações importantes com mestres e doutores para repassar o conteúdo aos estudantes. “Desde a primeira formação, com um professor africano, percebi que a pegada era questionar a narrativa oficial. Muitas vezes ela beneficia alguns grupos sociais, mas é importante fazer um resgate histórico de alguns personagens”, explica.
Um deles foi o Padre Mororó, que em 1824 participou da criação da República de Quixeramobim, após desafiar a autoridade do Império proclamado por Dom Pedro I. “Nossos conterrâneos - porque naquela época Itatira fazia parte de Quixeramobim - participaram da Independência. D. Pedro I, visto como herói nacional, foi quem deu a ordem de matar o padre no Passeio Público, em Fortaleza, em 1825”, ensina.
"Meu esforço era que pelo menos um aluno da turma conseguisse ir. Além de o Yuri ser escolhido, também fui selecionado para representar todos os professores do município. Vou com meu HD preparado para aprender e compartilhar com meus colegas para melhorar nossas aulas", diz o educador.
A invisibilização feminina na Independência do Brasil é tema de interesse para Isabelly Viana, 13, aluna da Escola 13 de Maio, também em Itatira. Na HQ, ela escolheu falar sobre Maria Quitéria de Jesus, baiana que decidiu cortar o cabelo e se disfarçar de soldado para entrar no Exército de D. Pedro I. Em 2018, a figura foi integrada ao Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.
“O pai dela descobriu e a expulsou de casa, mas o general explicou a ele que Quitéria era melhor que os homens. D. Pedro enviou uma carta ao pai mandando ela voltar para casa”, ensina. “Ela foi uma das heroínas femininas e nossos livros não falam delas”.
Segundo ela, o ensino de História não deveria ser apenas ler e escrever. Projetos como esse, que contextualizam os acontecimentos e os reverberam até hoje, tornam o aprendizado bem mais atrativo. “Está sendo uma das melhores experiências da minha vida”, afirma.