Conheça a história do primeiro teatro do Ceará que já foi hospital e passou 70 anos fechado

Teatro da Ribeira dos Icós só viria a ser inaugurado 145 anos após sua construção

O ápice de qualquer obra é sua conclusão e, por conseguinte, sua inauguração. É um ato simbólico que marca a concretização de um - as vezes, longo - período de construção. Cinemas, casas de espetáculos e teatros não fogem à regra. Mas, as vezes a história reserva pontos peculiares. É o caso do primeiro teatro do Ceará, construído há 162 anos.

Erguido em 1860, no centro de Icó, cidade da região Centro-Sul cearense, sua inauguração só viria a ocorrer, de forma oficial, quase um século e meio depois. Antes, porém, o local passou a ter inúmeras utilidades, dentre elas, serviu como espécie de um hospital, para acolher vítimas da cólera.

As 207 poltronas instaladas no Teatro da Ribeira dos Icós passaram mais de um século sem receber quaisquer espectadores com a finalidade de assistir espetáculos teatrais. As cortinas pretas que teriam a missão se abrirem anunciando as peças da época, se mantiveram fechadas até que, em 2005, o então Ministro da Cultura Gilberto Gil, inaugurou o local. 

O coordenador da Secretaria da Cultura de Icó, Claudio Pereira da Silva, diz que "o ato marcou a inauguração do Teatro, embora não tenha havia convidados, nem tido sido aberto ao público". Além de ter sido o primeiro construído no Ceará, o teatro foi o quinto do Brasil.

O equipamento é assinado pelo arquiteto Henrique Théberge, filho do médico e historiador francês Pedro Théberge, que financiou a obra, que contém dois pavimentos, sendo os camarotes instalados na parte superior.

Mas, o que teria ocorrido para que o Teatro da Ribeira - erguido em estilo neoclássico, presando pela simplicidade e equilíbrio das formas, como ocorria na Grécia antiga - não ter sido inaugurado no ato da conclusão das obras? "Por a mais absoluta vaidade", pontua o pesquisador e memorialista icoense, Altino Afonso Medeiros, que se debruça sobre a história do Município há diversas décadas. 

No dia marcado para ocorrer a inauguração, em 1860, seria realizado um baile. Mas ninguém compareceu. "As roupas das famílias burguesas da época vinham da Europa. Havia uma grande vaidade entre elas, cada uma queria se apresentar para a sociedade de forma mais imponente", revela Altino.

Naquela noite, como era de costume ocorrer em outros atos importantes, "a elite de Icó ordenava que seus empregados, os escravos, fossem ao Teatro para ver quem já havia chegado e qual roupa estavam vestindo. As horas se passaram e ninguém compareceu ao baile programado e a inauguração não ocorreu", detalha o memorialista.

Hospital para atender vítimas da cólera 

Após este evento frustrado, o local passou a ser utilizado para outras finalidades. No século XIX, uma grave epidemia de cólera vitimou um número expressivo de cearenses - estima-se que quase 12 mil. Em Icó, a doença matou quase um terço da população da época, conforme o pesquisador Altino Afonso.

Fechado sem qualquer utilidade, Dr. Pedro Thebérge - responsável pela construção do Teatro da Ribeira - utilizou o espaço como hospital, para atender aos pobres. Naquela época, o coordenador da Secretaria da Cultura de Icó, Claudio Pereira da Silva, pontua que "todos os dias morriam entre 50 a 60 pessoas". O médico, inclusive, morreu vítima de cólera. 

"Nesse período, de mortos enterrados em valas-comuns, tamanha sua quantidade, muita gente abandonou a região para nunca mais voltar. Já um tanto esvaziada, Icó acusaria o impacto poderoso da seca de 1877-1879, uma das piores de que se tem notícia", relata, o Iphan, no livro "Monumenta".

Após este episódio de seca e epidemia, que culminou no declínio econômico da cidade, rica para os padrões da época, o Teatro passou sete décadas fechado, até que em 1935, fora realizado uma reforma para, então, ser finalmente inaugurado. Mais uma vez não aconteceu.

"O prefeito da época optou por não fazer [a inauguração]. Hoje, fala-se que ninguém queria inaugurá-lo para manter essa história que já está intrínseca ao próprio teatro", avalia Afonso.

O equipamento artístico passou mais um período de anos fechado até que no início dos anos 2000, acrescenta Claudio Pereira, passou a ser utilizado como biblioteca, depois como uma espécie de cinema, foi útil para reuniões políticas, dentre outras atividades. 

Em 2005, finalmente aconteceu um ato considerado como inauguração - 145 anos após sua construção. O ato foi conduzido pelo músico, compositor e então Ministro da Cultura, Gilberto Gil. Hoje, apenas o assoalho e parte superior do Teatro é original. Diante das reformas - pelo menos duas em grande escala: 1935 e 2004 - as cadeiras, estofado e teto foram trocados ou reforçados.

"O assoalho é original. As varandas internas do pavimento superior também. O restante teve de ser trocado. Muito embora a arquitetura, no estilo neoclássico, está preservado", conclui Cluadio. 

Atualmente, o prédio é protegido pelo Tombo Estadual segundo a lei n° 9.109 de 30 de julho de 1968, através do decreto n° 16.237 de 30 de novembro de 1983.  Além disso, em 1998 ele foi incluído no acervo do Sítio Histórico de Icó.