Mais da metade dos 24,2 mil domicílios onde mora pelo menos uma pessoa autodeclarada indígena no Ceará têm situação insatisfatória de saneamento básico. Ao todo, são 12.944 locais onde foram relatadas situações consideradas mais próximas da precariedade, levando a um percentual de aproximadamente 53,5%. Essa realidade atinge quase 68% dos 3,4 mil domicílios com pelo menos um indígena localizados em Terras Indígenas.
Alguma condição de precariedade também é mais frequente nos locais com ao menos um morador indígena do que quando se compara com a totalidade no Ceará. Nesse cenário mais abrangente, são cerca de 1,3 milhão dos 3 milhões de domicílios que existem no Estado — ou 43,4%.
As características dos domicílios particulares permanentes ocupados onde há pelo menos um morador indígena foram apresentadas nesta sexta-feira (4) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na nova leva de divulgações do Censo Demográfico de 2022, o Instituto também publicou estatísticas inéditas sobre a situação de alfabetização das pessoas indígenas e registros de nascimentos de crianças indígenas com cinco anos ou menos de idade.
Para caracterizar o acesso domiciliar ao saneamento básico, o IBGE tem como referência os critérios do Plano Nacional de Saneamento Básico (PlanSab), elaborado pelo Governo Federal. O documento estabelece as características adotadas para atendimento e déficit.
Nem todas as variáveis que devem ser consideradas para esse tipo de avaliação estão presentes em um levantamento censitário, mas o Instituto considerou as seguintes características para aproximar os aspectos investigados pelo Censo e a classificação proposta pelo PlanSab:
- A principal forma de abastecimento de água utilizada se dá por rede geral de distribuição, poço, fonte, nascente ou mina encanada somente até o terreno ou não chega encanada, e aqueles em que, com ou sem encanamento, a água utilizada é proveniente de carro-pipa, água da chuva armazenada, rios, açudes, córregos, lagos, igarapés ou de outras formas não listadas anteriormente; ou
- Têm como destinação do esgoto fossa rudimentar, buraco, vala, rio, córrego, mar ou outra forma; ou
- O lixo não é coletado direta ou indiretamente por serviço de limpeza
Nesta análise, o Instituto também desconsiderou as habitações indígenas sem paredes ou malocas, que podem ser feitas com galhos de árvores e cobertas de palha, folhas ou outros materiais (madeira, lona plástica, zinco etc.). Isso porque nelas "não existe expectativa de canalização de água até dentro do domicílio ou de banheiros", explica o documento do IBGE. Esse tipo de domicílio não foi encontrado no Ceará no Censo 2022.
O CEARÁ FRENTE AO NORDESTE E AO BRASIL
Conforme os dados do Censo 2022, a região Norte se destaca com 76,04% domicílios particulares permanentes com pelo menos um indígena onde ocorre ao menos uma situação de maior precariedade em relação a saneamento básico. Em seguida, aparecem o Centro-Oeste (55,34%) e o Nordeste (49,97%).
Entre os nove estados nordestinos, apenas em Sergipe (30,35%) e na Bahia (40%) a proporção de domicílios com alguma dessas condições não chega à metade e está abaixo da taxa da região. O Ceará tem a terceira melhor posição — ocupando o 7º lugar nesse ranking. Mas ainda assim o Estado tem um indicador maior do que o do Nordeste como um todo.
Outro destaque no Nordeste é que apenas em Sergipe a proporção na totalidade dos domicílios (36,6%) ultrapassa a daqueles com pelo menos um morador indígena (30,4%).
Em todo o território brasileiro, as condições ruins de saneamento atingem os indígenas e o total da população de forma discrepante. Na totalidade, a proporção é de aproximadamente 25,5% — menos da metade do indicador obtido ao se considerar apenas os domicílios com indígenas (55%).
Segundo o IBGE, o levantamento dessas características procura servir de insumo para o acompanhamento das metas de universalização, equidade e integralidade no acesso ao saneamento básico, considerado direito humano fundamental.
"Constituem importantes indicadores da exposição dos moradores a condições insatisfatórias de saneamento, que podem ser potencialmente comprometedoras da saúde humana e da qualidade do ambiente domiciliar e de seu entorno", diz a publicação.
O CENSO 2022, OS INDÍGENAS E O CEARÁ
No Censo Demográfico de 2022, o IBGE identificou 56.353 pessoas autodeclaradas indígenas no Ceará, o que representa 0,64% dos 8,7 milhões de habitantes. Esse número deixa Estado como o 4º do Nordeste e o 9º do Brasil com mais indígenas.
Assim como ocorreu em todo o Brasil, essa população "aumentou", no Estado, entre os dois levantamentos. Essa variação é um reflexo de mudanças metodológicas feitas para melhorar a captação dessa população no País. A pergunta ‘você se considera indígena?’, por exemplo, foi ampliada para fora das terras indígenas.
Em 2010, o Ceará tinha 20.697 pessoas autodeclaradas indígenas. O IBGE ressalta cautela na comparação dos resultados da população dessa etnia entre os dois Censos. Segundo o órgão, há diferenças entre as metodologias empregadas nos dois levantamentos:
- No Censo 2010, definiu-se como “indígena” a pessoa residente em terras indígenas que se declarou indígena pelo quesito de cor ou raça ou pelo quesito “se considera indígena”; ou a pessoa residente fora das terras indígenas que se declarou indígena.
- No Censo 2022, foram considerados os residentes em “localidades indígenas” ou fora delas que se declararam indígenas pelos mesmos quesitos.
O Instituto explica que a abrangência se tornou maior porque, há 12 anos, o conjunto de terras indígenas era formado por aquelas que estavam na situação fundiária de declarada, homologada, regularizada ou em processo de aquisição como reserva indígena.
Já em 2022, foram consideradas "localidades indígenas" aquelas que compõem o conjunto das Terras Indígenas, dos agrupamentos indígenas e das demais áreas de conhecida ou potencial ocupação indígena. Além disso, o Censo mais recente contou com apoio de organizações e pessoas indígenas para a coleta.