Ceará desmatou equivalente a quase 2 mil campos de futebol de áreas protegidas em 2022

Desmatamento de unidades de conservação mais do que dobrou em dois anos, acendendo alerta sobre degradação ambiental

Da água ao ar, tudo de que o ser humano precisa depende da natureza – mas a relação dele com ela tem sido de degradação. No Ceará, em 2022, mais de 2,1 mil hectares (ha) de unidades de conservação (UCs) foram desmatados – uma área é equivalente a quase 2 mil campos de futebol padrão FIFA, que têm 1,08 ha cada.

A extensão de áreas protegidas desmatadas mais do que dobrou em dois anos: em 2020, foram 889 hectares suprimidos; subindo para 2.027 ha em 2021. Já neste ano, só entre janeiro e março, o desmatamento atingiu mais de 155 hectares de unidades de conservação.

Os dados são do MapBiomas Alerta, um sistema de validação e refinamento de alertas de desmatamento com imagens de alta resolução de todo o território brasileiro, coletados pelo Diário do Nordeste nessa quarta-feira (30).

As regiões mais afetadas, segundo a plataforma, são as fronteiras do Ceará com Pernambuco, onde fica a Área de Proteção Ambiental (APA) Chapada do Araripe; e com o Piauí, na APA Serra da Ibiapaba.

Entre 2020 e o ano passado, foram emitidos 800 alertas de desmatamento no Estado, concentrados nessas áreas de conservação. Do total, 427 foram registrados somente em 2022, conforme levantamento do MapBiomas.

Lucas Silva, técnico da Célula de Políticas de Flora da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), frisa que as plataformas de monitoramento mostram não apenas os desmatamentos ilegais, mas as supressões de vegetação autorizadas por órgãos ambientais.

“Quando se fala em desmatamento, estão previstas licenças expedidas pelos órgãos. Precisamos verificar o que seria criminoso e qual é previsto pela legislação. Geralmente, (no Ceará,) se solicita supressão de vegetação pra instalação de empreendimentos”, diz.

No ano passado, 99,7% de toda a área desmatada no Ceará – cerca de 2.151 hectares – não possuía autorização de órgão ambiental para a supressão da vegetação. 

Esse cruzamento entre áreas com ou sem licenças emitidas também é realizado pelo MapBiomas, com base em dados de coordenadas geográficas da Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Estado do Ceará (Semace).

O Diário do Nordeste fez um levantamento da quantidade de processos de licenciamento ambiental para “supressão de vegetação” em áreas protegidas por lei no Ceará. Nos últimos 5 anos, foram 234 pedidos, a maioria deles (73) em 2022.

Do total de solicitações feitas por empresas e órgãos públicos à Semace, 207 constam como “em andamento”, 13 como “processo vinculado”, 9 como “emitidas” e 5 estão “em vigência”. 

Todas as licenças ambientais para supressão de vegetação emitidas ou vigentes no Estado, nos últimos anos, têm como finalidade a “intervenção em Área de Preservação Permanente”.

Danos ambientais em cadeia

As unidades de conservação se dividem em duas categorias: “proteção integral, que não permite o desmatamento nem com licença ambiental; e as de uso sustentável, algumas com restrições maiores e outras menores”, como explica Marcelo Moro, biólogo e professor de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Moro aponta que, entre as unidades, as APAs são as de menor grau de proteção – e, por isso, é possível que empresas e órgãos consigam licenças para desmatar, construir infraestruturas e explorar. “Mas isso leva à perda de cobertura vegetal”, frisa o biólogo.

Algumas das nossas APAs têm pressão imobiliária muito forte, como as APAs da Serra de Baturité e as costeiras. Pelo menos nas APAs isso deveria ser coibido: o ideal é não licenciar empreendimentos nessas áreas.
Marcelo Moro
Biólogo e professor da UFC

O professor alerta para os danos ambientais em cadeia que o desmatamento dessas áreas causa. “Há destruição direta do ecossistema natural, perdemos proteção do solo, mananciais, matas de nascentes e temos redução da fauna”, lista, citando que APAs em terrenos privados são as mais suscetíveis à degradação. 

“Na Floresta Nacional do Araripe, cuja terra pertence ao Governo Federal, ao longo de algumas décadas, praticamente não houve desmatamento; enquanto na APA do Araripe, que são terras privadas e os proprietários almejam expansão de áreas agrícolas, o desmatamento foi expandido”, lamenta o professor e pesquisador.

Nas APAS do Rio Pacoti, do Baturité e do Rio Ceará, por exemplo, a expansão urbana é o grande vetor de impacto. Embora sejam licenciados, temos que levar em consideração que se é uma APA, não deveria ser autorizado empreendimento de grande impacto com desmatamento considerável.

Como proteger as áreas verdes

O técnico de políticas da Sema, Lucas Silva, destaca que o órgão realiza, semanalmente, vistorias nas unidades de conservação, “com monitoramento de delitos e infrações”. O Estado tem, hoje, 39 UCs, e deve criar mais 5 – no Litoral Oeste e no Cariri – até o fim de 2026.

Ele diferencia, porém, que a função da Pasta ambiental é “desenvolver políticas públicas de florestamento, reflorestamento e educação ambiental”, enquanto a da Semace “é executar, com fiscalização”.

A reportagem contatou a Semace para saber como funciona a fiscalização e as ações para impedir desmatamento ilegal, sobretudo em UCs; quais os critérios para concessão de licenças, entre outros pontos.

A diretora de fiscalização da autarquia, Carolina Braga, garante que "a fiscalização para combater o desmatamento ilegal funciona de diversas formas", desde o atendimento de denúncias enviadas à superintendência até o monitoramento de imagens de satélites diárias, meio que ela considera "o mais eficaz".

Cruzando com outros bancos de dados, a Semace identifica a autoria do desmatamento e aplica as sanções: autuação, com multa proporcional à área desmatada, e o embargo da área.

"Também utilizamos os alertas do MapBiomas, em tempo real. Quando a infração ambiental corresponde a crime ambiental, encaminhamos ao Ministério Público", destaca Carolina.

O biólogo Marcelo Moro elege três principais medidas como fundamentais para mitigar o desmatamento de áreas protegidas no Ceará:

  • Zoneamento ecológico-econômico: ferramenta que aponta as áreas com maior importância biológica e de maior fragilidade, que está sendo implementada pelo Governo do Estado no litoral e no Maciço de Baturité;
  • Fortalecimento dos órgãos ambientais: abastecer órgãos com técnicos de carreira, com estabilidade funcional, para decidir quando um empreendimento pode ou não ser liberado – mesmo que haja pressão política;
  • Tornar mais rígido o licenciamento ambiental dentro de áreas de proteção ambiental. 

“Se a gente cria uma Área de Proteção Ambiental, ela tem relevância de conservação. Então é contraditória uma posterior autorização para desmatamento” finaliza.