Inaugurado em 1986, o Motel Cê Que Sabe, localizado na Barra do Ceará, se tornou um dos mais tradicionais estabelecimentos do tipo em Fortaleza. Porém, depois de 34 anos de atividade, o espaço, que esteve tanto na rotina quanto no imaginário da população, parou de receber clientes e agora está à venda.
O terreno da propriedade foi adaptado pelo pai de Jackeline Veras numa época em que havia poucos motéis na cidade - expressivos mesmo eram apenas dois, lembra ela, sendo um na Aldeota e outro na Parquelândia.
“O nome fantasia foi ele que pensou. O da empresa mesmo era Motel Charles Chaplin, porque ele era fã”, explica. Em seguida, ele também construiu o Motel Vamu's, na mesma região.
O proprietário deu oportunidade de administração do local aos filhos homens. Inicialmente, Jackeline era “proibida” de pisar lá, mas, com esforço, conquistou espaço, gerenciou o local e até se tornou sócia do pai.
O negócio, porém, não passou despercebido. Ela lembra que enfrentou situações de preconceito principalmente na escola das crianças. Outros familiares incentivaram-lhe a vendê-lo. Porém, Jackeline encarava o motel como qualquer empresa.
“Nosso negócio era fazer a coisa funcionar, era muito natural. Na minha gestão, a gente visava muito às datas comemorativas, para ter algo diferente nas suítes”, recorda.
A única suíte personalizada era a Fazenda, diz ela. O motel também começou a investir em espelhos e sons, ainda pouco convencionais para a época, além de buscar um cardápio diversificado que incluía caranguejada e feijoada.
Almejando outras áreas de atuação, a família decidiu vender o empreendimento, mas o aprendizado e a experiência ficaram na memória. “Teve traição, teve famosos. Mas tem que manter sigilo, é que nem médico”, entende Jackeline.
Segunda posse
Eliosmar Castro foi o segundo dono. Proprietário do empreendimento desde 2006, conta que adquiriu o motel com o dinheiro da venda de outra empresa dele, em Pacatuba. Mas, primeiro, também comprou o “Vamu's”.
O nome Cê Que Sabe já veio com a compra porque “encaixava bem”. Mas, por precaução, ele patenteou a marca. Outros negócios chegaram a surgir com a mesma proposta, mas mudando a grafia das palavras.
Um frequentador do local contou à reportagem que teve duas experiências “não muito boas” no local. Na primeira, o casal ficou esperando na recepção, dentro do carro, mas “demoraram tanto pra abrir o portão que terminamos desistindo e fomos embora”.
Na segunda, eles conseguiram entrar. “A gente fez o que tinha que fazer e depois bateu a fome. Tinha pagado por 2 horas, mas passou esse tempo e a comida não chegou. Os momentos bons foram lá dentro, mas a experiência foi… desestimulante”, diz entre risos.
Apesar das ressalvas, Eliosmar diz que os tempos de prosperidade duraram até meados de 2014. Na observação dele, sempre houve uma clientela fiel - alguns ele conhecia “pela placa do carro”. Afinal, visitava o lugar duas vezes por dia, de manhã e à noite, de domingo a domingo, para verificar se precisava resolver algum problema.
Fim das atividades
Porém, ele elenca três principais fatores que levaram à queda no movimento:
- A ampliação da rigidez da fiscalização de trânsito por causa da Lei Seca
- A generalização da violência na Grande Barra do Ceará, gerando um estigma na região
- A pandemia da Covid-19
O principal, alega ele, foi o último: o motel fechou em maio de 2020, auge da primeira onda da doença na Capital cearense, quando os hospitais estavam lotados e foi instaurado um lockdown.
“Eu tinha que manter 16 funcionários e, sem poder abrir, foi difícil. Nesses dois anos de pandemia, deu um prejuízo muito alto. Se eu não tivesse uma reserva, seria pior, porque energia e IPTU são um absurdo. Mas consegui aguentar”, explica.
O proprietário não menciona os valores das propostas que já recebeu, mas confessa que elas têm sido abaixo do esperado. Embora já tenha pensado em reativar as atividades, Eliosmar diz que pretende descansar porque “já tô com 65 anos”, e um empreendimento do tipo exige muita atenção.
“Motel é uma coisa que precisa de cuidado, para evitar violência, e gente que não quer pagar”, lembra.
Mesmo com o plano da venda, Eliosmar mantém boas recordações dos “causos” acumulados em tantos anos no ramo. Traição, por exemplo, “teve muita”. “Teve um cabra que pulou o muro pra pegar um Uber. Outro botou uma camareira pra dirigir o carro”, conta.