As fortes chuvas que atingiram o Ceará no último fim de semana acabaram deixando a dona de casa Maria Luciana Santos, 52 anos, sozinha com o marido em uma comunidade no alto do bairro Ladeira, em Itapipoca, distante cerca de 130 km de Fortaleza.
Sem ter para onde ir mesmo com o risco iminente de deslizamento de terra e rochas, ela e o marido permaneceram no local após os alertas da Defesa Civil do Município - embora a Prefeitura tenha disponibilizado alojamento temporário em uma escola da região.
O fato ocorreu no último sábado (18), após uma precipitação intensa. Domingo, sem ter como permanecer fora de casa, parte das pessoas voltou a ocupar seus imóveis na comunidade, apesar da iminência dos perigos.
Naquele dia, a Prefeitura de Itapipoca informou que 430 pessoas foram evacuadas dos bairros Ladeira e Sanharão para casas de parentes. Outras 250 decidiram ficar nas residências. Em Ladeira, na parte mais alta, onde o risco era maior, só Maria Luciana e o marido permaneceram, conforme relata.
"Eu dormi em casa mais o meu marido, porque não tem quem arranque ele daqui. Ele num é velho, mas é igual aqueles velhos turrão: num sai não. Todo mundo saiu. Uns para casa de família, outros pra escola. Ficou só eu e ele. Só nós"
Das 7h da manhã de sábado (18) até as 7h de domingo (19), o município registrou um volume máximo acumulado de 92 milímetros de precipitações, conforme dados da Funceme.
Enquanto a água caía, ela relembrava um deslizamento de pedras em sua casa ocorrido no período chuvoso de 2019. Naquele ano, a residência de Maria Luciana chegou a ser "condenada" pela Defesa Civil, devido ao risco de desastres naturais.
"Está com uns 4 anos que desceu esses pedregulhos aí, encheu a casa de lama. Eu perdi minhas coisas quase tudo. Era só lama dentro de casa", relata ao acrescentar que o alpendre no quintal foi destruído na ocasião.
"Queriam me tirar daqui aí eu digo 'pra onde é que eu vou?'. Eu não tenho para onde ir, eu tenho que ficar aqui mesmo enquanto ela tiver de pé", justifica.
Segundo Luciana, a Prefeitura chegou a oferecer o aluguel social, mas como a modalidade de assistência tem um período limitado, geralmente de 3 a 6 meses, ela recusou.
Ao longos dos últimos dias, a Defesa Civil de Itapipoca e outras secretarias seguem monitorando os riscos e realizando os processos e informes para retirada de famílias de áreas de risco. Seja para encaminhar a alojamentos da Prefeitura ou orientar que sigam para casas de parentes.
'Mau negócio'
A moradora da parte mais alta do bairro Ladeira, localizado em uma subida de serra na área urbana da cidade, relata que, quando se mudou para a região, não sabia dos riscos que corria. Ela mora no local há 7 anos, desde que trocou uma casa no distrito Barra da Taboca, entre Itapipoca e Amontada. Após passar dificuldades no período chuvoso, avalia que a permuta foi um "mau negócio".
"A gente fez negócio numa casa que a gente tinha lá, trocou nessa. Eu não sabia que aqui era assim. A gente tem medo porque você vê nesse terreiro, esses pedregulhos não tinha (aqui). Meu terreiro era limpinho aqui", conta ao mostrar as pedras que caíram do alto da serra no terreno em 2019.
O episódio de 2019, inclusive, é revivido pela dona de casa a cada nova chuva. Hipertensa, diabética e com outros problemas cardíacos, ela já foi parar no hospital por conta do medo. Ao relembra o fato, não consegue esquecer o "aperreio".
"Nós estávamos lá no alpendre tentando fazer um ralo, que a água já tava começando a entrar dentro de casa. Aí quando eu vi, falei 'lá vem, João. Olha ali!'. O João olhou e eu saí por essa porta aqui nas carreiras. O meu menino morava ali naquela outra casa ali (próxima). Eu gritando por ele, e ele já tava lá do outro lado aculá. Foi um aperreio nesse dia. Foi um susto, Ave Maria"