Sete da noite, avenida movimentada. Acidente de trânsito com vítima. O celular disca 192, chamada atendida. Tem início uma bateria de perguntas. “Mantenha a calma”, insiste a atendente. E repete, à exaustão, os questionamentos.
O protocolo exige paciência de quem precisa de socorro, mas busca evitar que a ambulância dê uma “viagem perdida” – um dos efeitos graves dos trotes passados ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
A cada 12 minutos, pelo menos um trote é passado ao Samu Ceará ou ao Samu Fortaleza. Foram 46.553 ligações falsas em todo o Estado, em 2022.
Em média, chegam às centrais dos dois órgãos 5 chamadas falsas por hora, 129 por dia e 3.879 por mês. Só em Fortaleza, que tem serviço municipal e exclusivo para a capital, foram 25.643 trotes no ano passado; os outros 183 municípios somaram 20.910 ligações falsas.
Nos últimos anos, as ações criminosas deste tipo têm diminuído, mas seguem numerosas e prejudicando o andamento do serviço essencial. O Samu Ceará alerta, inclusive, que “uma ligação de mentira vira um problema de verdade”.
Em agosto de 2021, um dos períodos mais intensos da pandemia de Covid, entrou em vigor no Ceará a Lei nº 17.580, que determina identificação e punição de autores de trotes ao Samu, órgãos de segurança e outros serviços públicos de urgência e emergência.
“Anotado o número do telefone de onde se originou o trote, o órgão encaminhará os respectivos relatórios à Polícia Civil para devidas providências”, prevê o dispositivo legal.
Ligações feitas em telefones públicos “serão anotadas em separado para futuro levantamento de incidência geográfica e posterior identificação, pelo órgão competente, do responsável pela sua realização”.
é o tempo máximo de detenção para quem comunicar falso crime ou contravenção a autoridades.
‘Se a ocorrência não é real, a área fica descoberta’
A prática de trotes ao serviço de urgência em saúde impacta não só em deslocamentos desnecessários, mas nos próprios protocolos adotados pelos órgãos.
Breno Novais, coordenador médico do Samu 192 Ceará, afirma que os profissionais da central já são treinados para identificar contradições que possam indicar que o chamado é falso – e por isso, muitas vezes, precisam repetir perguntas, o que prolonga o atendimento.
Quando a gente faz essas perguntas, às vezes só com orientações a gente consegue ajudar o paciente. E, por outro lado, consegue também identificar possíveis fraudes.
O gestor relata que “quando não é uma informação verídica, a própria pessoa cai em contradição”. O conteúdo da fala, o tom da voz e as divergências de dados entregam. Entre os públicos mais comum nos trotes, estão crianças e pessoas alcoolizadas.
“Somos um serviço de atendimento móvel. Sempre que é disparada uma ambulância pra uma ocorrência que não é real, a área fica descoberta. A ambulância que poderia estar cobrindo uma ocorrência real acaba indo pra um local que não tem necessidade, o tempo de resposta demora mais”, lamenta.
Breno explica que quando são identificadas muitas fraudes oriundas do mesmo número ou região, a polícia é acionada. “Além do nosso treinamento periódico, temos também trabalhos educativos pra divulgar a real importância do serviço”, finaliza o coordenador médico do Samu Ceará.
Em Fortaleza, o Samu municipal adota o projeto Samu Júnior como uma das estratégias de combate aos trotes. A iniciativa capacita crianças de 7 a 12 anos sobre técnicas e comportamentos na prevenção de acidentes e situações de urgência, além de reforçar a seriedade do serviço.