Há quem compare o livro com o filme do qual foi adaptado e penso que existem equívocos nessa comparação. Independentemente do fato de que a película é boa ou não, a partir de um romance fraco ou denso, a realidade é que a adaptação é secundária. Parte de uma história consolidada pela escrita, sendo, dessa forma, uma releitura de algo posto antes.
A regra é que uma obra sempre supera a adaptação cinematográfica, porque o livro tem uma conexão mais íntima com o leitor. Quanto mais se inclina para o imaginário, para o acervo memorial, revelando sonhos oníricos, ou trabalhando com o insólito e o improvável, mais se distancia da sétima arte que é própria da concretude direta de ações e imagens.
No cinema, um espectador pode ser muito exigente em termos de preferência visual. Não passa dessa relação. Acontece que o leitor não é só o leitor, porque interage com o livro de forma mais profunda, seja na reconstrução memorial dos nomes, dos lugares, dos fatos, onde a estória se desencadeia.
E, mais além do que seja uma simples imersão subjetiva, ele pode muito bem se tornar um elemento da obra, posto que nela se insere, através de conhecidos processos de transfiguração.
O fato é que o livro concede um exercício personalizado, difícil de ser substituído por qualquer outra forma de expressão artística, até por que a leitura é a base de toda formação do homem, seja formal(acadêmica) ou em nível das artes.
Assim, as obras literárias personalizam o entendimento e proporcionam naturalmente diferentes ou variadas interpretações, mas de forma consciente, prazerosa, transformando a leitura em uma realização pessoal que vai acompanhá-lo pelo resto de sua vida, com um efeito de que, depois dessa personalização, o livro concede um sentimento de pertencimento. Quem dirige a leitura, por sua vez, é o próprio leitor, livre de qualquer forma de interferência. Assim, constitui um momento particular, muito subjetivo e solitário, enquanto que uma película é obra coletiva em quase todos os aspectos.
O sucesso da obra literária vai depender muito do talento individual do autor, da forma como canaliza o público para uma identidade parecida com a sua e de seus personagens.
Já com o cinema é diferente. Nele, o espectador de uma película tem poucas variantes, e sua postura é passiva, diante de um resultado mais visual, enquanto que o livro é mais abrangente, ao ultrapassar o dado meramente visual, constituindo uma experiência rica, marcante e inesquecível.
Durval Aires Filho
Desembargador