Vamos 'comer sol'? O que precisamos saber sobre o fantástico mercado do açúcar

Foto: Marketing/ SVM

Dizem os historiadores que o ciclo da cana-de-açúcar no Brasil terminou lá pelos anos de 1700. Colocam a culpa nos holandeses que começaram a produzir nas Antilhas. Não sei o que eles colocavam no açúcar deles naquele tempo, o fato é que o declínio brasileiro foi real.  
  
Quando olhamos no mapa não faz muito sentido a Holanda dominar o mercado do açúcar a partir de umas ilhotas. Isso se deu apenas por uma questão de ciclo de vida de mercado, e aqui já cabe uma análise básica de gestão de ciclo de vida: mercados viverão momentos de crescimento, maturidade e declínio com estratégias para cada momento.

No período de crescimento, muitos players podem aparecer e se destacar no mercado. O que se precisa avaliar é se o crescimento será sustentável ou não.

Mercados de modismos vivem crescimentos acelerados e quase não passam pela maturidade, pois caminham direto para o declínio. Um bom exemplo foi o Windows Phone que tinha o apelo da marca, mas não condizia com as demandas de um ecossistema de sistemas que não estavam dispostos a produzir aplicações para um produto de tão baixo market share.

Esse foi o mesmo problema do vídeo game da Android, pois dá muito mais retorno produzir para plataformas da PlayStation, Xbox e Nintendo. Também foram os casos das pizzas do McDonald’s e das lasanhas da Colgate. O mercado viu uma incoerência e o impacto do lançamento foi apenas suficiente para jogar diretamente para o declínio. A Holanda viveu um modelo insustentável de exploração.

Voltando ao açúcar brasileiro, chegamos a obviedade de um país continental e com terras ótimas para a colheita, a recuperação do mercado foi natural. Hoje, no mercado maduro, o Brasil lidera a produção mundial e entregamos no ano de 2021 um singelo número de 592 milhões de toneladas (dados CONAB). Para se ter uma ideia, a balança comercial brasileira em 2022 teve um saldo positivo de US$ 61,8 bilhões. Só de açúcar, vendemos US$ 11,23 bilhões.

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Mas o que é o açúcar?

Bom, cientificamente vai ficar estranho, mas o açúcar é como se fosse o sol. Estranho, né? Eu adoro comer doces gelados, como é que pode ser o sol? Então, o açúcar é a energia da luz do sol guardada nas moléculas pelas plantas para poder ajudar no seu crescimento e desenvolvimento.

Não é à toa que açúcar dá tanta energia. Só podia, se ele ajuda a fazer uma jaca, avalie o que faz no seu cérebro. É dopamina muita. Um negócio tão gostoso só podia ser o sol das comidas (Desculpa picanha! Vai que você é a lua?). 

Os números fazem sentido e mostram ramificações com estatísticas poderosas em várias frentes. São elas: 

1. Setor Sucroenergético

O açúcar gera 2,3 milhões de empregos diretos e indiretos. Atingimos um número 600 milhões de toneladas de CO2 que foram evitadas de atingir a atmosfera desde o lançamento do primeiro carro flex em 2003. A bioeletricidade gerada pela energia criada pela queima dos resíduos do bagaço de cana por meio do método de biomassa geram 5% da demanda de energia do Brasil segundo a ÚNICA (União das Indústrias de Cana-de-Açúcar) 

O setor sucroenergético caracteriza-se por sua capacidade de produzir energia limpa em larga escala. A atratividade do etanol de cana-de-açúcar e a bioeletricidade gerada com base no bagaço de cana foram os grandes determinantes das decisões de investimento do setor na última década. (Fonte: BNDES) 

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Ainda no setor sucroenergético fica a força do etanol, combustível produzido em quase sua totalidade no território brasileiro com uso de cana-de-açúcar, 90% do total (os outros 10% são feitos à base de milho).

Somente no ano de 2021 foram 26,6 bilhões de litros de etanol (o suficiente para fazer o seu Kadett 1,8 GLS modelo 1994 dar umas 5 voltas no quarteirão). No que tange a parte financeira, o etanol finalizou o ano de 2022 com uma balança comercial positiva de US$ 2,6 bilhões.

2. Diabetes

Somos o 3º país no mundo que mais gasta com tratamentos para diabetes. Foram US$ 42,9 bilhões em 2021, segundo a Federação Internacional de Diabetes. Fiz a conversão do dólar em dezembro de 2021 (R$ 5,41), data da publicação do artigo e os módicos gastos no tratamento da doença em nosso país, deu R$ 232 bilhões. Talvez ajude a explicar o motivo de ter uma farmácia em cada esquina.

A notícia boa é o que o mercado de academias tem crescido bastante e não podemos colocar a culpa toda no açúcar, logo você, um homo sapiens que foi feito para caçar e coletar e passa o dia todo sentado ou deitado vendo novela.

3. E os docinhos? 

Bom, é evidente que em período de Páscoa, o que importa são os doces, e eles fazem bem o seu papel.

4. Confeitarias

Um mercado de R$ 91 bilhões em 2020 e esse cresceu tanto que para se ter uma ideia ele era de R$ 56 bilhões em 2010, segundos dados da ABIP – Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria.

A grande notícia é que estamos falando de um mercado que nasce de pequenos estabelecimentos e por conseguinte gera muitos empregos. É uma das vedetes do Sebrae nacional há alguns anos.

5. Chocolates

Com um consumo médio de 3,2kg de chocolates por cidadão brasileiro em 2021 (tem gente comendo minha cota aí) e com uma receita de R$ 13 bilhões em 2021, o chocolate passa por um período complexo de sua produção e tende a ter preços crescendo de forma acentuada nos próximos anos.

A sua produção está muito concentrada na África, com destaque para a Costa do Marfim com 39% da produção mundial (e você achando que era a Suíça? Gramado? Nem pé de cacau tem por lá), mas para que a produtividade possa continuar, os pés de cacau precisam conviver com grandes árvores de sombra ao seu redor.

A busca irracional por um aumento de produtividade faz com que as terras fiquem improdutivas, pois a floresta que ajuda na produtividade do cacau está sumindo no mundo. Na Costa do Marfim, 85% da floresta já foi devastada desde a década de 60, segundo dados Bloomberg.

Acrescente na crise um amplo uso de trabalho infantil na coleta dos cacaueiros. A situação é tão preocupante que os grandes produtores mundiais, Nestlé, Mars e Hershey’s, assinaram um protocolo que proíbe a compra do grão de produtores com tais práticas.

Por outro lado, a ciência tem ampliado as pesquisas para produzir um chocolate sem o uso de cacau. Quem entra no lugar da amêndoa cacaueira? O açúcar! Até lá, você vai ficar brigando com a sua nutricionista que pede para que você consuma chocolate com 70% de cacau, que é bem caro, e o seu bolso que adora o chocolate ao leite com um bocado de açúcar, acompanhado de preços e sabores bem gostosos.

6. Ovos de Páscoa

Nem mesmo a crise das Lojas Americanas conseguiram atingir o mercado de ovos de Páscoa. Segundo a Kantar (antigo Ibope), o Brasil terá um crescimento na quantidade de lares que compram ovos de Páscoa em 2023, algo em torno de 36% dos lares. Vale lembrar que em 2022 já tivemos um crescimento de 12,5%.

Ainda segundo do estudo, praticamente metade dos ovos de páscoa vendidos no Brasil são artesanais (aqueles de colher e cheios de recheios cremosos).

De todo modo, poucos movimentos do mercado de consumo conseguem concentrar tamanha receita em tão curto espaço de tempo e com apenas 1 tipo de produto. O ovo consegue isso e faturou em 2022 em torno de R$ 2 bilhões.

Talvez você comece a pensar na importância de criar cultura, união de esforços e um bom planejamento para que algum período ruim do seu ano ganhe uma espécie de ovo de páscoa para faturar.

Um bom exemplo é o Dia dos Namorados no Brasil, a data nasceu de uma campanha publicitária desenvolvida pelo publicitário João Doria (pai do ex-governador de São Paulo, João Doria), que buscava criar um apelo comercial para o período de junho, que não tinha nada que pudesse gerar faturamento extra para o varejo, por isso ela ocorre aqui no Brasil diferente de boa parte do mundo quando o dia é comemorado no Valentines Day, dia 14 de fevereiro, que aqui sempre concorre com o mercado do Carnaval. O dia 12 de junho foi escolhido pelo publicitário por ser o dia que antecede o dia 13 de junho, dia de Santo Antônio, que na cultura popular é conhecido como o santo casamenteiro.

O fato é que o açúcar tem seu relevante papel em nossa economia e nem temos uma data alusiva que valorize a sua importância histórica.

Se um dia criarmos o dia do açúcar (eu não falei feriado), talvez a indústria pudesse gerar alguma benesse em sua cadeia produtiva para que tudo provindo dessa matéria-prima, gerasse alguma ação de mercado rentável. Quando bem orquestrada, poderíamos ter bons resultados de vendas ligados a tal especiaria nessa imensa cadeia produtiva adocicada.

Até lá, vamos lembrar que é tempo de Páscoa e, a hora de escolher o quanto de sol/açúcar você quer colocar no seu coração, em forma de ovo de chocolate, já chegou. Não seja egoísta e dentro do sentimento que a data nos pede, seja caridoso, reparta os pedaços, não esqueça o real motivo. Espalhe um amor doce para os seus e o próximo.