Água a R$ 93 e cachorros no avião: como duas histórias nascem ou matam reputações

Legenda: Além dos cachorrinhos em primeira classe, paletes com toneladas de doações para os afetados pelo terremoto na Turquia são enviados pela Turkish Airlines.
Foto: Stefani Reynolds / AFP

Dona Isabel, negra, mãe e viúva, tem 70 anos de idade. Vive de comércio, um pequeno mercadinho que nasceu da necessidade de ter uma renda para criar a família. Foi comprado o ponto juntando dinheiro de serviços de cozinheira. Na década de 1980, Dona Isabel mudou-se com o marido para a cidade de São Sebastião (SP), local onde as chuvas geraram deslizamentos de terra ocasionando mortes, para começar a vida e lá criou quatro filhos. Pouco mais de um ano depois, o marido foi assassinado. 

Região em São Sebastião coberta por lama
Legenda: São Sebastião foi o município mais afetado nas áreas de risco devastadas por enchentes no litoral norte de São Paulo.
Foto: Divulgação/Defesa Civil de São Sebastião

Na última semana, Dona Isabel quase foi linchada, sofreu ameaças e o Procon, a pedido do prefeito da cidade, realizou investigação para saber se ela estava vendendo uma garrafa de água a R$ 93,00. Ela não estava. Na verdade, a loja sequer estava aberta. Em virtude das chuvas, estava se protegendo e cuidando dos seus. A fake news de "uma garrafa de água a R$ 93,00" jogou fora os 40 anos de dedicação e, agora, provavelmente morrerá com a fama de um crime que jamais cometeu. 

Do outro lado do Atlântico, o mundo assistiu, e achou bem fofinho, aos cães farejadores, enviados por vários países, voltarem para seus lares devidamente acomodados em assentos da primeira classe. Era um reconhecimento pelos esforços dos cachorrinhos na busca por sobreviventes entre os escombros causados pelos grandes terremotos. Eram voos da Turkish Airlines, empresa aérea turca que tem feito uma série de ações de apoio aos cidadãos de sua pátria, levando muitos turcos gratuitamente em voos. Retirando esses das áreas afetadas para regiões com apoio de governos, sem riscos de novos tremores de terras. 

A Turkish Airlines é bem antiga, foi criada em 1933, e já passou por altos e baixos. Teve em sua história, cinco grandes acidentes aéreos, mas trabalhou bastante para hoje receber 'louros' de grande empresa aérea, uma das melhores atualmente da Europa. 

São dois casos de cenários muito distintos. Talvez, a grande diferença seja a incapacidade de recuperação rápida da imagem de Dona Isabel, que não terá mega investimentos em processos, marketing, prêmios, assessorias de imprensa e ações sociais que devolvam a imagem de quem passou os últimos 40 anos construindo sua reputação. Ela, uma cidadã comum, vive e viverá sob holofotes da desconfiança e precisará de muitos anos para naturalmente recuperar uma credibilidade, mas no mundo da desinformação casos assim acontecem diariamente. Outrossim, podemos assistir à recuperação de imagem da empresa aérea turca, mesmo sem ter o histórico lindo e ilibado de 40 anos que Dona Isabel construiu. 

A força e a eficiência das mensagens. Qual a versão sobre si que teremos?

As duas histórias mostram a importância de uma comunicação eficiente e acima de tudo rápida. Sua vida, sua empresa e sua marca precisam saber se comunicar de forma assertiva. Não é uma questão de ser moderno ou não. Quem usa sua imagem em redes sociais precisa compreender que o simples ato de mostrar uma foto almoçando com amigos, praticando exercícios na academia ou apenas vendo filmes em casa criam um imaginário, uma percepção, uma marca pessoal e por conseguinte consequências. 

De algum modo algo inocente pode ganhar proporções alarmantes e do nada seu mundo virtual pode afetar bastante a vida real. Quando mais verdadeiro você for, mais coerente será a capacidade de entendimento da sua pessoa. Só que a sociedade moderna, por muitas vezes, acaba sendo nas próprias redes sociais os maiores produtores de fake news e desinformação de si. Pessoas não têm uma marca forte, construída sob campanhas bem pensadas e afetivas que geram uma relação emocional do consumidor com a empresa. 

Aaaah, mas eu sei que sou legal, meus amigos sabem, meus familiares também. Sim, elas sabem no seu mundo real. Os amigos e familiares de Dona Isabel sabem disso. Quem a julgou em todo o País, só conhecia apenas a versão virtual - contada a partir de outros - da história de vida dela. 

Um dia a conta chega

Entender a força das redes é de suma importância para a nossa vida. No começo, as postagens um pouco distantes da realidade podem parecer algo bobo, algo em uma busca apenas para se encaixar num grupo, para parecer mais legal ou mostrar que está por dentro de um assunto que você na prática desconhece. Só que um dia a conta da incoerência chega e a credibilidade será afetada como um míssel caindo sob a cabeça. 

A ausência de uma marca forte do seu ser não permitirá uma diminuição de impacto que a empresa aérea turca teve, pois ela tem um histórico de construção que você não desenvolveu para si. Seus posts que geram muitos likes e dão dopamina em um prazer lindo de quem acha que está sendo amado a cada “joinha” que aparece na tela se transformarão em dor de cabeça. Dona Isabel nem tinha redes sociais para se defender e quase foi espancada por algo que ela nem fez. Já você que vende um ser perfeito nas redes está fazendo algo sim e, se não tiver um plano de gestão de crise para a vida virtual, talvez você seja a próxima Dona Isabel da vida real.