O Show do Trilhão: o mercado de idosos que vai muito além do 'véi da lancha'

Foto: Cortesia Obo Studio

Na semana que o mercado financeiro confrontou as novas regras apresentadas pelo governo federal, assistimos o colapso de uma metodologia de empréstimo bastante vitoriosa para os bancos e, de suma relevância, no ajuste de contas das famílias brasileiras.

Direcionamos o nosso olhar para o empréstimo consignado para aposentados.

Tudo começou quando o Ministro da Previdência, o Sr. Carlos Lupi, aprovou no Conselho Nacional da Previdência Social uma redução de 0,44% ao mês no teto de juros para empréstimos consignados. Na prática, o teto ficou em 1,70% ao mês. Em tese, a mudança iria estimular ainda mais o setor, só que para que tudo ande bem, faz-se necessário combinar com todos os participantes as mudanças, e não foi o que aconteceu.

Diante da nova taxa, 10 grandes bancos brasileiros se negaram a realizar novos empréstimos alegando que a nova taxa geraria prejuízo para eles.

O que, inclusive, é proibido por lei, algo essencial no mercado para evitar o “dumping”. Na lista dos bancos que se negaram tinham os gigantes Itaú e Bradesco e os principais bancos públicos, a Caixa e o Banco do Brasil.

A conta é relativamente simples: para emprestar, o banco precisa pagar aproximadamente 1% de juros ao mês por causa da Selic, mais o custo operacional de ter equipes, agências e sistemas de controle para custear o processo e o custo do risco. Afinal, quando você empresta e a pessoa falece, a dívida expira.

Qual o motivo dessa mudança ter um impacto tão grande?

Já que não é de hoje a casa da família brasileira mais comum é formada por uma mãe solteira, com os avós sob o mesmo teto. O modelo com pai, mãe e filhos já não representa o lar padrão de nosso país. A renda da aposentadoria é essencial para o custeio do lar, e o empréstimo consignado, acaba sendo a salvação quando a conta aperta, e esse empréstimo faz muita diferença.

Segundo o Banco Central, os empréstimos normais no Brasil têm juros médio de 40% ao ano, já o consignado para aposentados fica em torno de 26%.

É uma diferença considerável. Ainda mais quando falamos do segmento de idosos, pois este é um mercado trilionário. Isso mesmo, é TRI. Estamos falando do mercado de idosos, aqueles com idade igual ou superior a 60 anos. Um mercado formado por 14,7% da população em um total de 31 milhões, segundo o IBGE.

A título de comparação, a população de 0 a 9 anos não chega a 25 milhões, e a tendência é que o mercado a cada dia precise ter um olhar mais cirúrgico para os integrantes da “economia prateada”, nome definido como homenagem aos cabelos grisalhos.

Qual o tamanho desse mercado em faturamento?

Estamos diante da terceira maior atividade econômica do mundo, com um movimento financeiro na casa dos 7,1 trilhões de dólares anualmente, segundo relatório da consultoria Fleishman Hillard.

No Brasil, o número também é gigantesco, pois gera anualmente algo em torno de 1,6 trilhão de reais. A turma prateada domina 17% da fatia dos 5% mais ricos do Brasil. Quando analisamos o inverso, eles se enquadram em 4% dos 40% mais pobres.

A aposentadoria é um baita negócio e de alta capacidade de recorrência, por isso que o empréstimo consignado tem tanta influência. Mas onde está essa grana? Se engana quem acha que essa galera só compra remédio. Eles dominam 10% da receita do varejo físico no Brasil e 50% do varejo virtual, 40% fazem exercícios semanalmente, 70% usam Facebook, 80% o WhatsApp, 16% compram marcas premium e tem em média 30% a mais de renda quando comparados a adultos com 59 anos ou menos. Eles dominam o mercado de serviços e são, obviamente, muito fortes no setor de saúde. (fontes: IBGE, SPC Brasil e Kantar Worldpanel).

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Faço então aqui uma pergunta para a turma que acha que o mundo é igual aquilo que você curte e usa. Dica! Saia da sua bolha. Você realmente acha que o Facebook morreu? Pois deveria pensar em realizar estratégias nessa rede, tem uma turma cheia da grana lá. Seu e-commerce tem aquelas letrinhas pequenas, pois o designer acha que fica mais “cool”, então muito provavelmente você afugentou um mercado que compra muito pela internet, mas tem muito receio de errar. Se ele nem conseguir ler, já deu para entender o que você pode estar perdendo.

Isso também vale para os restaurantes grã-finos que adoram uma luz baixa e indireta, e ainda entregam um cardápio com letras pequenas que não dá nem para saber se pedimos farofa ou camarão.

Sua academia foca no garotão e na moça sarada? A sua atenção fidelizará o mercado dos cabelos grisalhos e, aquele aumento anual atrelado a inflação, não irá afugentar tanto essa clientela, pois o relacionamento é primordial no processo decisório deles.

Entender a realidade desse mercado, suas especificidades e oportunidades pode ser o elemento que falta na sua estratégia anual de crescimento de receitas.

Olhe para seu mercado, quantas marcas estão com foco diretamente ligado aos 60+? Quantas filas você viu sem cadeiras para sentar-se? Quantos espaços do varejo não ofertam lugares para descansar ou mesas para que pedagogicamente possam explicar as modernidades para um mercado tão antenado?

Quantas equipes de vendas são formadas por pessoas da 3a idade que compreendem as angústias e necessidades do segmento? Quantos treinamentos de vendas olharam para essa clientela e abordaram as formas de conseguir agradar esse consumidor?

Que produtos estão adaptados as questões de visão, audição, tato e ergonomia para facilitar o ambiente ou o produto para os grisalhos? Qual a marca que vem a sua cabeça quando falamos da turma do trilhão?

Se vieram poucas ou nenhuma, já está nítido que passou da hora de você colocar o leme da sua empresa rumo a essa galerinha. Não é só de lancha que eles vivem, obviamente, tem muita coisa no barco da sua empresa que pode navegar em busca de alguns milhões retirados das carteiras e bolsas de uma classe que só irá crescer, pois neste oceano ainda está tudo muito azul. 

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