'Brasil perde de 1,38% a 2,20% do PIB devido à corrupção'

O ex-presidente do STF proferiu, ontem, palestra sobre ética nos negócios, durante a Abad 2015

Escrito por Redação ,
Legenda: Diante de tanta corrupção no País, Barbosa provocou a plateia: "é possível ser ético em um ambiente onde a regra é a falta de ética?", questionou
Foto: FOTO: KIKO SILVA

"Estima-se que o Brasil perca só com a corrupção algo em torno de 1,38% a 2,20% do Produto Interno Bruto (PIB)". O alerta foi feito ontem, pelo ex-ministro, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, ao proferir palestra sobre "Ética nos Negócios e na Vida Pública", na solenidade de abertura da 35ª Convenção Anual do Atacadista Distribuidor (Abad 2015). Para um público eclético, formado por empresários, políticos, lideranças classistas e trabalhadores do comércio atacadista e varejista do Nordeste, o jurista iniciou sua fala criticando o "velho jeitinho brasileiro", prática a que chamou de "cacoetes, um modo engenhoso de tornar o sistema legal formal" e que ocorre em vários setores, inclusive no campo da justiça.

Atacadistas esperam ação do governo para aquecer setor

Desemprego já atingiu o comércio


"Não tenho dúvidas de que esses cacoetes sociais negativos só desaparecerão da nossa vida social, na medida em que for avançando a educação e a conscientização político e social do povo e se firmando a consolidação dos princípios da ética que devem reger uma sociedade democrática", proclamou. De fala mansa, pausada, mas firme e direta, Joaquim Barbosa, tratou da ética nas esferas política, empresarial e pública, mas ocupou grande parte de sua palestra para tecer observações sobre a corrupção, um tema que segundo ele, não é peculiar à nação brasileira, embora esteja enraizada em vários níveis do poder, inclusive no judiciário.

"Ética e corrupção são temas intimamente ligados", justificou ao final da palestra. Relator da Ação Penal 470 - mais conhecida como "mensalão", Barbosa não citou nomes de políticos, nem mencionou empresas e evitou a imprensa quando questionado sobre a nova prisão do ex-deputado José Dirceu, ocorrida ontem. "Hoje estou na vida privada, sem qualquer tipo de interlocução com autoridades públicas do País", respondeu.

Ética da necessidade

Diante de tanta corrupção no País, Barbosa provocou a plateia: "é possível ser ético em um ambiente onde a regra é a falta de ética?", questionou, citando problemas ainda vivenciados por empresas brasileiras ao procurar o setor público para tirar uma simples licença ou requerer a abertura ou fechamento de uma empresa.

E acrescentou: "Uma empresa preocupada com a ética conseguirá competir com sucesso com outras que não necessariamente respeitam princípios morais e éticos", perguntou, para responder positivamente, em seguida. "Posso assegurar aos senhores que, no Brasil, nós temos instituições funcionando. Portanto, empresas e pessoas não devem temer a busca de seus direitos e o controle das violações ocasionalmente cometidas por agentes públicos e por até mesmo por agentes privados", asseverou. "É um erro supor que um ambiente permissivo as violações típicas do patrimonialismo e do filhotismo podem ser explorados em favor das empresas", complementou Barbosa. Ele ressaltou, no entanto, que a eficiência do Direito está precisamente na rapidez com que as instituições detectam e corrigem eventuais abusos.

Ele explica que nenhum sistema jurídico, por si só, é talhado para impedir a reação dos interessados na manutenção de um determinado ambiente propício ao clientelismo, ao patrimonialismo, e ao recorrente desvio de utilidade pública. Portanto, ressalta, "as violações de direito não negam a existência, nem a utilidade do sistema jurídico".

E declarou: "o sentimento da geração na qual eu pertenço rechaça publicamente a chamada ética pragmática, a ética da necessidade". Ou o popular "vale tudo". Para ele, a adesão de algumas empresas à "ética da necessidade" é sempre nociva ao sistema econômico no qual nós vivemos, de mercado. "Em troca da permanência nos negócios, as empresas que lançam mãos de práticas e condutas ilícitas, acabam por reforçar o quadro de desequilíbrio, de forma a impedir que o sistema econômico retorne à normalidade", alertou.

Globalização

Joaquim Barbosa lembrou que o Brasil, desde o início dos anos 2000, tornou-se signatário de diversos tratados e convenções internacionais que pregam o combate ao suborno, mas que instituições internacionais, especialmente a OCDE, ainda têm criticado o País pela sua timidez na implementação destas regras internacionais de combate a corrupção.

Criticou outra prática comum existente, ainda hoje, no Brasil, o foro privilegiado, instituto, que para muitos é protetor da independência e da autoridade pública, mas que para ele é fomentador da impunidade. "Quanto ao Brasil, a sensação generalizada é que a confusão entre o público e o privado está de uma certa forma incrustada na ética política e social do nosso País. As infindáveis notícias sobre desmandos reforçam a nossa incredulidade, a nossa falta de fé nessa área", lamentou, citando caso caricaturais, como "a concessão de privilégios e benesses nababescas àqueles que deveriam servir o povo".

Primavera da esperança

Para ele, apesar de tudo isso, ainda estamos na primavera da esperança. A questão, ressaltou, é sabermos se há instrumentos eficazes para fazer valer o direito do povo à informação e de controlar a atividade dos nossos representantes.

"Quanto mais transparente for a atuação do agente público, menor será o risco de sua ética se desviar dos valores que nos são caros a nós cidadãos", defendeu Joaquim Barbosa, sob os aplausos de uma plateia de mais de mil pessoas.

Carlos Eugênio
Repórter

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.