Trabalho em conjunto

A crise econômica desencadeada pela pandemia tem chacoalhado a geopolítica mundial, e a corrida pela imunização, atualizado as estratégias de relacionamento entre países. O motivo é simples: a ajuda para combater as mortes vem de fora, na forma de vacinas e insumos. O cenário tem deixado clara a importância da cooperação internacional. A mais recente carta aberta de seis líderes mundiais, divulgada nesta semana, incluindo o secretário-geral da ONU, António Guterres, é um recado para o mundo: não haverá recuperação econômica sem grande esforço global. 

Os também signatários da carta, entre eles França, Alemanha, Senegal e Comissão Europeia, percebem que crises como a climática e a da Covid-19 enfraqueceram mecanismos de cooperação multilateral, o que teria “lançado dúvidas sobre a capacidade de superar crises e garantir um futuro melhor para as próximas gerações”. 

A reflexão também veio com a profunda crise sanitária que temos vivido: “ela nos lembrou de um fato óbvio diante da pandemia, nossa corrente de segurança sanitária é tão forte quanto o mais fraco dos sistemas de saúde. Se houver Covid-19 em algum lugar, ela será uma ameaça às pessoas e economias em todos os lugares”. 

No país tropical em que vivemos, sempre usamos uma comparação em saúde quanto à epidemia de dengue: não adianta dois vizinhos cuidarem de seus quintais se não houver atenção a todos os outros quintais da rua contra o mosquito causador da doença. A cooperação internacional múltipla pode parecer, hoje, a alternativa mais óbvia para a geopolítica mundial, mas até pouco tempo grandes líderes mundiais, a citar o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, evocavam o unilateralismo ou o bilateralismo, com duas nações conversando e deliberando em uma sala cheia, com todos os outros países em segundo plano. 

Não se trata, agora, de um mundo baseado apenas em interesses que extrapolam as fronteiras, isso é utopia. O multilateralismo deve coexistir com a soberania das nações, e o equilíbrio entre o interesse e a regra será a melhor saída. No mundo diametralmente desigual, países em extrema pobreza “coexistem” com os mais ricos, mas um país infectado com vírus não conviverá com outro saudável até que a questão sanitária seja um bem comum. É aqui que reside a inevitável necessidade cooperativa, ensejada pela crise do novo coronavírus (mais até do que a crise climática das últimas duas décadas, e que também afetam o mundo como um todo). 

A recuperação econômica será potencializada com o fortalecimento das instituições responsáveis por essa grande cooperação, a começar pela Organização Mundial de Comércio (OMC), que deve ser fortalecida, assim como, de outro modo, ficou evidente a importância da Organização Mundial de Saúde (OMS) na discussão de diretrizes sanitárias. Para quem defende um mundo de muros, mais do que de fronteiras, o multilateralismo pode ser um projeto equivocado ou falho. O mesmo já se disse da democracia, como “pior forma de governo”, com exceção de todas as outras. As crises que a humanidade tem vivido apelam para enxergarmos que o mundo, apesar de todas as diferenças, gira em um mesmo sentido, numa conjunção de quintais a serem bem cuidados. 


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