STF e inversão de valor
Tem causado temor e indignação no meio jurídico o posicionamento economicamente conservador e liberalizante reiterado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sucessivas decisões que deixam sob ameaça os trabalhadores brasileiros, a Justiça do Trabalho e o Direito do Trabalho (com forte viés social desde o seu surgimento).
A Corte Constitucional brasileira vem ignorando princípios essenciais e intrínsecos ao Direito do Trabalho como o da primazia (priorização) da realidade frente ao aspecto formal dos contratos. A lógica racionalmente defensável é a de que se um trabalhador é contratado como “autônomo”, mas, na prática, exige-se dele subordinação aos comandos do contratante na execução do serviço, deva ser reconhecido, de fato, como empregado.
Por que, então, é firmado contrato como autônomo? Para burlar o sistema legal que prevê ao empregado direitos próprios conquistados ao longo de décadas de luta dos trabalhadores pelo reconhecimento do valor social do trabalho que, em hipótese alguma, pode ser visto como mercadoria qualquer. Foi para garantir que essa deturpação não ocorra que surgiram o Direito do Trabalho como área especializada do Direito e a Justiça do Trabalho como instituição responsável pela sua aplicação.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) define que é empregado aquele que preenche todos estes critérios: 1) ser pessoa física; 2) prestar serviço mediante pagamento (onerosidade); 3) atuar de modo pessoal (sem poder enviar outro profissional para o cumprimento do contrato); 4) prestar serviço de forma habitual (ou seja, não pode ser prestação apenas eventual, como bico ou diarista); e 5) trabalhar com subordinação (seguindo comandos do empregador).
Ao privilegiarem a aparência (forma) de contratos feitos supostamente entre pessoas jurídicas (pejotização) ou sob pretensa autonomia e, apenas com base nisso, afastando a própria competência constitucional da Justiça do Trabalho para analisar a essência destes contratos (possíveis fraudes nas relações de trabalho), as decisões recentes do Supremo invertem claramente a preferência que se deve dar à verdade real num contexto em que muitos trabalhadores se submetem à exigência formal de abertura de firma ou assinatura de contrato de “autônomo” devido à sua dependência econômica. Tem-se, a partir delas, o prenúncio de uma tragédia social, com impacto inclusive previdenciário.
Valdélio Muniz. é jornalista