Cyberbullying, violência cometida contra o filho de Walkyria, pode ser penalizado por danos morais

Violência é definida juridicamente pela lei 13.185

Legenda: Walkyria Santos publicava fotos de viagens e aniversários de Lucas em rede social
Foto: Reprodução/Instagram

Diferentemente do que se convenciona achar, Internet não é terra sem lei. Especialmente quando se trata de ataques como os que recentemente sofreu Lucas, de 16 anos, filho da ex-vocalista da Banda Magníficos, Walkyria Santos. 

Lucas morreu na última terça-feira (3). E, na nota em que comunicou a morte do filho, Walkyria deixou um alerta à sociedade: “Tenham cuidado com o que vocês falam, com o que vocês comentam. Vocês podem acabar com a vida de alguém”, escreveu, se referindo ao fato de que o filho, que já enfrentava problemas psicológicos, tirou a própria vida após ser alvo de uma série de comentários de ódio em um vídeo postado na rede social Tik Tok.  

Pela Lei de Combate ao Bullying (13.185/2015), o uso da Internet como instrumento “para depreciar, incitar a violência e adulterar fotos e dados pessoais com intuito de criar meios de constrangimento psicossocial” é configurado como cyberbullying

Segundo Antônio Jorge Pereira Júnior, integrante da Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE) e professor-doutor do Mestrado e Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (Unifor), além de prevenido, o cyberbullying pode e deve ser penalizado

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A pais e responsáveis, ele indica, caso identifiquem um cyberbullying sofrido pela criança ou adolescente, “é preparar um B.O [Boletim de Ocorrência] e tomar providências no âmbito civil, por dano moral, psicológico, e no âmbito penal, pelo crime cometido”. No entanto, ele explica, assim como no ambiente físico, quando a violência é cometida por outras crianças e adolescentes, ela se configura “ato infracional” e deve ser tratada de outra forma. 

Além disso, o advogado ressalta que, quando se trata da proteção de crianças e adolescentes na Internet, todos têm uma parcela de responsabilidade: dos agressores diretos à família e à sociedade civil, incluindo instituições públicas e privadas, a exemplo da rede social na qual Lucas estava cadastrado quando recebeu os ataques de ódio. “Não pode socializar o risco e privatizar o lucro”, critica Antônio, pontuando que a empresa tem responsabilidade em moderar e fiscalizar esses tipos de comentários violentos. 

A gente está num nível lamentável. Se tornou comum e as pessoas estão aceitando que seja um fato normal, o que não deveria ser, esses atos de ostensividade, de agressão verbal na Internet. É triste. Há uma virtude que se opõe a essa situação que é o civismo, o respeito a manifestações públicas, coletivas, e isso está se perdendo. É uma deterioração das relações humanas”
Antônio Jorge Pereira Júnior
Integrante da Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-CE

Prejuízo maior 

Para a psicóloga e psicopedagoga Eveline Câmara, o cyberbullying praticado contra crianças e adolescentes tem peso maior porque afeta um público ainda em formação da estrutura psíquica.  

As crianças e os adolescentes de hoje são gerações que já nasceram em uma sociedade muito tecnológica e que muito cedo acabam tendo acesso ao ambiente virtual. Eles lidam com esse ambiente de uma maneira diferente. A significação que dão pro que acontece ali é diferente. Isso faz com que, também, esse prejuízo possa ser ainda maior”.
Eveline Câmara
Psicóloga e psicopedagoga

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Para Antônio, o impacto da violência também deve considerar uma situação de vulnerabilidade emocional e de distanciamento dos pais. "Os pais, em relação ao filho, têm que se mostrar presente, estar junto. Porque, nesse instante, quem está impactando não são mais os pais, mas a Internet. Muda o agente que impacta na autoestima da criança”. 

Pandemia 

A pandemia de Covid-19, de acordo com ambos os especialistas, exacerba o cyberbullying no momento em que se considera que as pessoas estão enfrentando situações extremas de estresse e que as relações familiares podem acabar ficando abaladas por isso.  

“A fragilização acaba sendo coletiva. Pessoas mais fortalecidas, com experiências menos dolorosas, conseguem se manter melhor, mas, muitos, não”, destaca Antônio. 

“No caso do filho da Walkyria, até onde vi, ele estava passando por um processo de depressão. Você não sabe até que ponto o outro está com o ego dele fortalecido o suficiente para sustentar um discurso mais agressivo”, complementa Eveline, que provoca: “E será que alguém tem o ego tão fortalecido para sustentar tantos discursos de ódio e de agressividade ao mesmo tempo?”. 

Cuidado 

Destacando a emergência da “cultura do cancelamento” e da disseminação de discursos de ódio na Internet, Eveline ressalta que, para combater o cyberbullying atual, é preciso a sociedade refletir sobre os tipos de relações que estão sendo produzidas virtualmente. 

“Qual a necessidade que uma pessoa tem de invadir o limite subjetivo do outro e, ali, naquele espaço, na rede social do outro, proferir um discurso agressivo, de ódio, de não aceitação e de cancelamento? Isso é muito diferente de se ter um discurso onde você se posiciona. Quando você se posiciona, você não invade o limite do outro. Muito pelo contrário, você respeita o limite do outro e pede respeito ao seu”, frisa a psicóloga. 

Como estratégia de cuidado de possíveis vítimas de cyberbullying, Antônio sugere a pais e responsáveis manter relação próxima, de confiança, e elevar a autoestima dos filhos, bem como acompanhar as rotinas deles nas redes sociais e impor limites quando necessário. 

O que diz a lei 

Segundo a Lei 13.185, “considera-se intimidação sistemática [bullying] todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”. 

Cyberbullying é o mesmo ato de violência só que praticado na Internet. 

Como denunciar 

Registre boletim de ocorrência virtual ou presencial ou ligue para o Disque-Denúncia (181).