Estudo detecta 439 tartarugas mortas no Cedro

O Açude está seco desde agosto do ano passado. Os pesquisadores vão avaliar o impacto sobre outras espécies

Escrito por José Avelino Neto - Colaborador ,
Legenda: O cartão-postal de Quixadá hoje tem um cenário desolador
Foto: Foto: Hugo Fernandes- Ferreira

Quixadá. A seca do centenário Cedro, reservatório construído neste Município do Sertão Central, distante cerca de 170Km de Fortaleza, revelou uma de suas nuances mais assustadoras: a morte de tartarugas. O professor-doutor em Zoologia do campus de Quixadá da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Hugo Fernandes-Ferreira, contabilizou a morte de 439 animais no açude.

No início de dezembro, ele iniciou uma pesquisa para mensurar e avaliar a dimensão do problema, descoberto por seus alunos. Em uma tarde de passeio pelo açude, o grupo de jovens avistou o chão, rachado pela falta d´água, coberto de carcaças de tartarugas mortas.

"Todo o processo de contagem demorou quatro dias. Rodamos o açude inteiro, de uma ponta a outra, debaixo de sol e contabilizamos 439 quelônios", explicou o professor. A proposta inicial, revela, é mostrar a estrutura populacional dos quelônios no reservatório para, em seguida, estudar os fatores que provocaram as mortes.

"A pesquisa vai nos revelar quantos adultos existem naquele lugar; onde eles estavam mais distribuídos; qual a razão; se eram de grande, médio porte em relação à espécie; enfim, saber as proporções de cada um desses itens. Depois, na medida em que o açude for enchendo, a gente pretende fazer um monitoramento populacional para saber qual é a frequência de crescimento dos animais".

Mobilização

Membros de Organizações Não-Governamentais (ONGs) de Quixadá em defesa do meio ambiente e de práticas de convivência com a seca, como a Associação Conviver com o Semiárido, estão acompanhando a pesquisa. O presidente da Associação, Chiquinho Saraiva, disse que soube do fato na semana passada.

"Foi uma situação lamentável. Agora no fim de janeiro nós vamos fazer uma reunião e devemos levar este caso para saber de que maneira a gente pode se mobilizar e dar a nossa contribuição. Vamos procurar os envolvidos em seguida", disse Saraiva, que vê o atual cenário do Açude Cedro com tristeza.

"Infelizmente, a mobilização para tentar tomar alguma providência só começou a acontecer depois de já ter secado. Ele foi secando aos pouco, teve aquela história dos pipeiros fazendo abastecimento irregular no açude, e isso inclusive afetou muito", afirmou.

O estudante Júlio Ferreira Castro, 24, foi ao local ver o cemitério que se formou o Cedro, depois que o Hugo compartilhou a foto em seu perfil em uma rede social, viralizando o caso. Além de triste e comovido, o estudante acredita que houve descaso das autoridades competentes para evitar um colapso tão severo.

"É uma situação vexatória, vergonhosa. Como pode deixar uma obra tão importante para a história do País chegar a este estado? Não é só a seca do Açude que preocupa, é a falta de atenção de responsáveis e autoridades do meio ambiente que pareceram não atentar para isso lá. Absurdo mesmo", declarou.

Início

Em outubro do ano passado, quando o Cedro ainda não estava completamente seco, o Diário do Nordeste mostrou os primeiros achados de tartarugas mortas no reservatório. A mortandade, na época, foi avaliada como resultado da evaporação do pouco de água que ainda restava no Açude. O processo de alimentação dos animais também começava a ser comprometido. Três meses antes, a população já passava a registrar a mortandade de peixes. O nível baixo de água acumulado comprometeu a oxigenação, visto como um fator para explicar a mortandade.

Segundo o professor, o processo inicial deve ser concluído na metade de março próximo. As próximas etapas podem demorar porque dependerão do Açude cheio. Ele diz que casos assim não são tão anormais, afinal, açudes e lagos situados na Caatinga estão sujeitos à seca, haja vista o clima que predomina no Ceará. Mas o fato de todas as tartarugas encontradas mortas pertencerem a uma única espécie, conhecida por resistir a impactos naturais, releva traços alarmantes.

"Parte da pesquisa a gente conclui mais rápido, mas para que ela seja concluída há uma série de etapas. Depois de concluída, nós pretendemos divulgar estes resultados em forma de artigos científicos ou de relatoria pública", explicou. Na postagem da imagem do cemitério de tartarugas mortas, o professor explicou que o problema é ainda mais complexo.

"Se o impacto sobre os cágados foi alto, imaginem sobre os milhares de peixes e milhões de invertebrados que ali viviam. Isso pode revelar um panorama ainda mais grave. Com as primeiras chuvas, a água vai se acumular e cadê os controladores? Cadê os predadores das larvas do Aedes aegypti? Os índices de dengue, zika, chikungunya podem ser alarmantes. O problema da seca é complexo demais para ser tratado com tanto descaso e falsas promessas há décadas", disse o professor.