Mortes por Covid e ocupação de UTIs vão “demorar a cair” em Fortaleza, estima epidemiologista da SMS

Antonio Lima, coordenador da Vigilância Epidemiológica, aponta que comportamento da doença na segunda onda mudou critérios de flexibilização

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Antonio Lima, médico epidemiologista e professor de Medicina da Universidade de Fortaleza, avalia atual cenário da pandemia na capital
Legenda: Antonio Lima, médico epidemiologista e professor de Medicina da Universidade de Fortaleza, avalia atual cenário da pandemia na capital
Foto: Ares Soares/Agência Diário

Transmissão mais acelerada, jovens mais infectados e maior tempo de internação são três das preocupações que a segunda onda da Covid-19 trouxe ao Ceará. Além da lida com a doença, elas mudaram até os critérios de flexibilização das medidas sanitárias, como avalia o epidemiologista Antonio Lima.

De acordo com o médico, coordenador da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e professor de Medicina da Universidade de Fortaleza, a nova variante do coronavírus desenhou os contornos da segunda onda pandêmica no Estado e exigiu “adaptação” na gestão da crise.

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A ocupação dos leitos de UTI, por exemplo, não é mais um critério rigoroso para afrouxar ou não o isolamento social: um só paciente demora, hoje, muito mais tempo hospitalizado, de modo que o indicador “vai demorar muito a cair para 80%”, índice antes tido como “ideal” para avanço de fase.

Em entrevista ao Diário do Nordeste, Antonio Lima revelou, ainda, que o sistema de saúde “deverá, sim, ter estruturas de apoio exclusivas para pacientes que tiveram Covid e têm sequelas ou sintomatologia associada” do coronavírus.

Confira entrevista completa:

Qual o atual momento epidemiológico de Fortaleza?

Tivemos um pico da segunda onda no dia 6 de março, com 1.300 casos de média móvel. A curva trafegou março todo caindo, teve repique no começo de abril, e voltou a cair. A tendência é de declínio, mas está sendo monitorada rigorosamente. 

Quanto aos óbitos, é uma onda mais larga: vamos demorar para reduzi-los, porque temos muitas pessoas internadas graves. É como se a gente estivesse em junho da primeira onda. Mas a curva de casos não cairá com a mesma velocidade da primeira vez.

Beira Mar Fortaleza na pandemia
Foto: Camila Lima

O que diferencia a segunda onda da primeira?

A primeira onda foi foi muito veloz até chegar ao pico, atingido em poucos dias tanto em casos como em óbitos. Porque havia uma população 100% desprotegida. A descida também foi muito abrupta, por fatores imunológicos e pelo primeiro lockdown, que foi muito eficiente.

Já a segunda onda tem elementos diferentes, com crescimento de casos entre jovens de bairros de maior IDH. Desde outubro, cresce linear, mas com pouca mortalidade ainda em comparação à primeira. Em dezembro, houve mudança de padrão, principalmente pela dominância da variante P1 na cidade. 

80%
das amostras de testes de Covid de Fortaleza sequenciadas em janeiro deram positivo para a nova variante.

A contaminação vinha mais lenta, e explodiu de janeiro para fevereiro com enorme número de hospitalizações, casos graves, deslocamento de faixa etária e reinfecção; com Capital e interior sofrendo simultaneamente.

Como os bairros estão sendo impactados? Há trajetórias de infecção recorrentes?

No início da pandemia, havia bairros em que praticamente só havia casos graves e óbitos, porque testavam pouco. Quando começamos a tentar entender a dispersão parcial da primeira onda, trabalhamos com simulações matemáticas utilizando os óbitos.

A subnotificação de casos na periferia era muito grande, e de óbitos era bem menor. Tivemos que usar, infelizmente, o marcador ‘óbito’ como o mais confiável.
 

Tivemos um grande ataque do vírus nas áreas de mais alto IDH – Aldeota, Meireles, Mucuripe, Cocó e Papicu –, um grande aglomerado que durou até o início de abril, e se dispersou pelo litoral, chegando ao Cais do Porto, à Barra do Ceará, Pirambu e Vila Velha, área com maior mortalidade de Fortaleza.

O que ainda é nebuloso pra nós sobre a primeira onda é que ela poupou praticamente toda a Regional VI: houve muitos casos no Jangurussu, Conjunto Palmeiras, Messejana, Edson Queiroz, mas não teve grande mortalidade.

Hoje, que bairros de Fortaleza preocupam mais?

Como os dados ajudam a formatar a rede de atenção básica?

Dizem muito que essa é uma epidemia democrática, mas não é bem assim. Pode ser no número de casos, mas não nos desfechos fatais: 80% ou mais das pessoas que morrem são moradoras de áreas periféricas. Isso não se dá só pela assistência, mas por uma série de desigualdades históricas. 

A média de idade de quem morre de infarto num bairro periférico é de menos de 65 anos; no Meireles, é de 82. É a mesma doença. Os determinantes sociais são importantes na Covid também.

Onde a segunda onda começa? Com os jovens de alto IDH, que puderam fazer isolamento social de verdade na primeira, em casa, com acesso a tudo. Como se isolar em uma casa sem janela, com 8 pessoas dentro? Me incomoda demais essa insensibilidade social de culpar os pobres por não fazerem isolamento. É fácil falar assim, mas a realidade é difícil.

Temos 93% das UTIs ocupadas no Ceará, e a liberação das academias e igrejas, por exemplo. Os critérios de flexibilização mudaram ao longo da pandemia?

Em determinado momento, quando não há um auxílio emergencial que possa favorecer a existência das pessoas, é preciso equilibrar o discurso epidemiológico e as manobras para não causar danos importantes, sobretudo às populações mais vulneráveis.

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Alguns critérios podem mudar. Há uma redução consistente de casos, mas não se atingiu a ocupação de UTI ideal, porque a segunda onda mostra uma média de dias muito maior de internação, às vezes até 30 dias. Provavelmente, vamos aguardar muito tempo ainda até chegarmos a uma ocupação de 80%.

Por outro lado, um critério que não pode ser flexibilizado, por exemplo, é o número de pacientes que chegam à assistência precisando de internação. Nesse momento, temos, sim, redução disso. Casos, circulação viral e taxa de transmissão também estão caindo. 

32%
dos testes de Covid dão positivo em Fortaleza, uma queda de 10 pontos percentuais em relação ao início do ano. 

Quanto à vacinação, o andamento é positivo em Fortaleza?

Estamos num ritmo bom, já vencendo todo o grupo prioritário de idosos. O impacto já está acontecendo. O Brasil sempre teve capacidade para vacinar rápido e bem, isso depende de termos as vacinas. Em chegando, conseguiremos rapidamente atingir os grupos prioritários com muita eficácia.

Vacinação Fortaleza
Foto: José Leomar

Que sequelas o coronavírus deve deixar para a população e para o sistema de saúde?

Devemos ter estruturas de apoio exclusivas para pacientes que tiveram Covid e têm sequelas ou sintomatologia associada, como psiquiátricos, cardíacos, pulmonares, reumatológicos, metabólicos e endocrinológicos.

Mas tem também o legado da assistência: apesar de toda a dor e sofrimento de um número enorme de famílias, teremos um legado de organização do sistema de saúde, tanto no Estado como na Prefeitura. Isso não se restringe a leitos e unidades de saúde, mas ao modo de enfrentar uma contingência: muitos de nós estamos mais capazes e eficientes na gestão do sistema de saúde.

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