Uva de terras quentes

Escrito por Redação ,
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O Vale do Rio São Francisco põe abaixo a crença de que a uva não poderia brotar das terras do semiárido

Lagoa Grande (PE)

Ela já trabalhou plantando, colhendo, e hoje verifica a qualidade das uvas que surgem aos montes à sua frente. Imigrante do Cariri cearense, Lílian Martins, de 24 anos, atualmente tem sua renda tirada daquela que é uma das frutas de clima temperado mais consumidas do mundo. Mas, ao contrário do que se possa pensar, Lílian, juntamente com sua família, não foi buscar oportunidades nas fazendas do Sul. Ela ficou no Nordeste mesmo, em pleno sertão pernambucano.

Se antes poucos acreditavam que uva pudesse brotar das terras secas e quentes do semiárido, agora o Vale do São Francisco prova que é exatamente esta uma das regiões mais prósperas para a cultura.

Quando nem nordestinos nem sulistas imaginavam o potencial destas terras para a vinicultura, um nissei, Mamoru Yamamoto, ainda em 1979, trouxe as primeiras mudas de uva para o vale, formando os pioneiros parreirais. Era o início de uma história de sucesso, que modificaria de vez aquela economia. A tecnologia de produção da fruta sob o sol nordestino foi, então, espalhando-se pela região, hoje uma das maiores produtoras de uva do País e única do mundo capaz de ter duas safras ao ano. E mais: já é a maior exportadora. De lá, sai a quase totalidade (99%) das vendas externas do item, ou seja, 54,4 mil quilos dos 54,5 mil quilos exportados pelo Brasil em 2009.

Vedete

Petrolina é a vedete do vale, e assumiu, em 2006, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a primeira posição no ranking dos maiores produtores vinícolas do Brasil, desbancando Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, tradicional líder do segmento. A cidade também já anda tomando o título de "Califórnia brasileira" da paulista Ribeirão Preto, em virtude da posição de destaque na atividade (a Califórnia é o maior fornecedor de uva ao mercado americano).

A 50 quilômetros de Petrolina, é em Lagoa Grande que Lílian vive, município já conhecido como a "Terra da Uva e do Vinho", que viu a fruticultura crescer após ter implantados os perímetros irrigados. Assim como ela, boa parcela da população local está ocupada em atividades ligadas ao cultivo e processamento da uva, inclusive seus pais, que migraram de Milagres quando ainda era pequena. "A profissão é de pai para filho", afirma - já virou tradição. "Quando cheguei aqui, era pequena. Tudo na cidade foi se desenvolvendo por conta da agricultura. Assim como nós, tem muita gente que vem do Ceará pra cá. Tem muito cearense aqui", informa.

Os cearenses, juntamente com pernambucanos, baianos, brasileiros das mais diversas localidades, somam, hoje, nada menos que 80 mil pessoas envolvidas diretamente na cadeia produtiva da uva. São pequenas e grandes fazendas, constituindo 20,3 mil hectares onde são produzidas 198 toneladas da fruta, segundo dados da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Destes, cerca de 30% ficam no mercado interno e o restante vai para o exterior, o que representou, no ano passado, US$ 110,5 milhões em faturamento, em escala crescente (só atrapalhado, pontualmente, pela crise e, agora, ameaçado pelas taxas de câmbio). Em 1999, foram exportados 10,2 mil quilos, gerando US$ 8,6 milhões em receitas. É hoje a uva sertaneja a cara que se dá à vinicultura brasileira lá fora.

SERENÍSSIMA

Vinícola envolve 750 trabalhadores

Na produção de uvas, o Vale do São Francisco tem um diferencial: é uma região que consegue produzir a fruta em um período em que nenhuma outra no mundo produz. Com isso, as portas do mercado externo foram abertas. E, de olho nesta oportunidade, surgiu a Fazenda Sereníssima. Criada em 1994, em Lagoa Grande, ela iniciou relativamente pequena: eram 16 hectares para a produção de uva. Os ventos sopraram a favor do negócio (com a forte contribuição do solo, do sol e das águas, lógico), e a fazenda hoje possui 133 hectares, empregando 750 pessoas das redondezas.

Os parreirais, coloridos de uvas de tonalidades que variam do verde ao vermelho, de sabores que agradam aos mais diferentes paladares, parecem não ter fim. "Para ver a produção do parreiral, tem que olhar as uvas de baixo, com a cabeça entre as pernas", explica o técnico agrícola. O que parecia brincadeira, é realizado por todo comprador, seja brasileiro ou de fora, que vai à fazenda analisar a qualidade do produto que pretende negociar. E eles saem satisfeitos, indicam os números apresentados pelo gerente-geral, Marcelo Giesta.

Produção para 12 países

Sereníssima pertence ao grupo Vale do Sol (VDS), que possui cinco fazendas, entre Lagoa Grande, Petrolina e Juazeiro. Ao todo, são 200 hectares de uva, e mais 80 de manga. "A produção é 70% destinada à exportação. Ela vai para 12 países, entre eles, Alemanha, Holanda, Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Espanha, Portugal e Itália", informa Giesta. A VDS possui algo entre 10% e 15% do volume total produzido pelo vale, que não é nada tímido.

Por que o vale, e não o Sul, que já era tradicional na produção de uvas? A explicação é simples: "O Vale do São Francisco é a única região do mundo que consegue produzir o ano todo. A luminosidade permite isso", justifica o empresário. Apesar de ser sertão, a água está sempre perto. A Sereníssima fica localizada em um perímetro privado, e faz captação de água diretamente do Velho Chico. E as vantagens não param por aí: "O vale tem baixa incidência de doenças e, além de tudo, tem a vantagem logística, de estar mais perto dos mercados consumidores da Europa e Estados Unidos", completa.

Período ideal

A produção, por mais que ocorra durante todo o ano, é focada especialmente no segundo semestre, aproveitando as janelas abertas na entressafra da Califórnia e do Chile (maior produtor de uva do mundo). "No primeiro semestre, fazemos a formação da planta, preparando-a para produzir no segundo semestre. Então, iniciamos as colheitas em setembro, armazenamos em câmara fria. Mandamos para o exterior até o final de novembro. Temos duas ou três semanas, no máximo quatro, para vender toda a fruta lá", explica Giesta.

O investimento em melhores técnicas de plantio e tecnologia garantem o posicionamento de mercado do grupo. Desde 2000, trabalha com as uvas sem semente, que já são maioria nas vendas da empresa. Além da Sereníssima, Marcelo também possui uma pequena área dentro de um perímetro público, de 5,9 hectares, nos quais segue os mesmos princípios de preocupação com a qualidade do produto. Tanto que, em 2004, foi o primeiro viticultor do Brasil a receber o protocolo de produção integrada de fruta, o que o credenciou a exportar. Hoje, tem mais de 600 pequenos produtores certificados.

Apesar das dificuldades enfrentadas no comércio exterior com a desvalorização do dólar, Giesta afirma que o negócio garante ainda bons resultados pelo aumento da demanda interna. "Hoje, o produto é basicamente o mesmo, tanto para o mercado interno como o externo", fala.
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