"Não adianta mais produzir narrativas artificiais"

A Aberje , Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, chega aos 50 anos com muitos desafios

Escrito por Valerya Abreu - Colunista ,

A comunicação empresarial é uma atividade que, assim como as sociedades e as organizações, vem num processo evolutivo, já tendo passado por grandes revoluções no que diz respeito aos modelos adotados e no mindset de organizações e profissionais. Sempre presente e adensando o tema, a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, Aberje, chega aos 50 anos e carrega consigo muito do histórico dessa atividade como entidade que tem fomentado e qualificado os debates. À frente da Aberje, o Professor Paulo Nassar, que é Doutor e Mestre pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e Pós-Doutor pela Libera Università di Lingue e Comunicazione (IULM) de Milão, Itália. Ele divide com a gente nessa entrevista um pouco do muito do seu conhecimento sobre o tema.

Prof. Paulo, mudou a comunicação nas empresas, mudaram as empresas ou mudamos nós?

O que mudou foi a visão que a gente tem do processo de comunicação. Hoje a gente vê o processo de comunicação como um todo. Há 50 anos os comunicadores olhavam o processo de comunicação e viam os meios, os canais de comunicação. Agora a comunicação é vista como um todo e se tem um olhar mais denso, não mais se olha só os meios.

E o que as mudanças agregaram de mais positivo para os processos de comunicação organizacional?

Se a gente pensar em um ponto de inflexão, é quando as empresas começam a fazer uma comunicação não só da sua utilidade enquanto produtoras de bens e serviços fundamentais para que a sociedade funcione. Aí nós começamos a ver as empresas trabalharem uma narrativa de compatibilidade com a sociedade e nós estamos falando o seguinte, eu produzo alguma coisa que tem grande utilidade, produto ou serviço, mas isso também gera empregos, gera impostos, gera desenvolvimento para a sociedade. Quer dizer, aquilo que tá alinhado com a sociedade, que é o que eu chamo de narrativa da compatibilidade. Dentro desse contexto, também surge a narrativa da transcendência, que é a narrativa ligada às responsabilidades naquele momento, principalmente a responsabilidade social. Esse movimento de responsabilidade social se somou a todos os processos anteriores, processos ligados à internacionalização, processos ligados à melhoria dos padrões de produção, aos processos de fusão e aquisição, que eu chamo de reestruturação patrimonial, e adensando tudo isso a gente tem um movimento muito forte nos anos 2000 de comunicação ligada à questão da sustentabilidade. E é interessante aí que esse conceito vai englobar as narrativas ambientais, sociais, econômicas e culturais. É um pacto isso. Esse movimento todo entra nos anos 2010 com um conceito que eu diria que amarra tudo isso que é o conceito da Responsabilidade Histórica, que é onde a organização, empresa ou instituição, é vista pela sociedade numa linha do tempo junto com a consistência das suas narrativas. Quer dizer, se tudo que ela fez foi consistente ou não, olhando num período histórico de médio ou longo prazo.

A Aberje existe há 50 anos e nesse tempo muitas transformações aconteceram nos mercados como um todo. Qual, na sua opinião, representa um ponto de ruptura chave na comunicação das organizações?

A comunicação, que antes era instrumental, era ferramenta, começa a se transformar na comunicação como cultura dentro das sociedades e das empresas. Isso significa que a comunicação hoje é quase como o ar que as empresas respiram, porque é aquilo que vai, cada vez mais, mostrar, de P a P (do porteiro ao presidente), que é preciso não só administrar produtos, serviços, mercados, tudo aquilo que eles consideram como tangíveis, mas também administrar o intangível, o simbólico da organização.

Muitas empresas não faziam alinhamento das suas narrativas com as suas práticas éticas, por exemplo. Por outro lado, você vê, por exemplo, um processo em curso de ajuste e de reparação, me refiro aqui aos processos de conformidade, ou compliance, que as sociedades e os mercados passam a exigir.

Na sua opinião as empresas já compreenderam que a comunicação agora é 24x7 e que é preciso provocar ou participar da "conversa" 365 dias por ano e que, quer ela queira ou não, estamos todos mais expostos?

Eu acho que isso é um processo que tá em curso em que você tem momentos em que tem perdas e momentos em que você tem ganhos. Por exemplo, você tem momentos agora da grande crise brasileira em que as empresas foram impactadas por questionamentos ligados às relações público privadas, e muitas delas tiveram a sua sobrevivência enquanto máquina produtiva ameaçada fortemente, mostrando o seguinte, que essas empresas, na realidade, não faziam o alinhamento das suas narrativas com as suas práticas éticas, por exemplo. Outro tema importante tá ligado à questão da sustentabilidade, aí eu estou me referindo diretamente ao acidente ambiental que aconteceu na Samarco, no Rio Doce, que foi um acidente que produziu algo que poderíamos denominar como a Chernobyl brasileira. Porque eu tô trazendo isso, porque essa empresa em particular e seus acionistas tinham um forte discurso, uma forte narrativa ligada à questão da sustentabilidade. Então você tem um acidente ambiental que questiona a consistência de toda a sua narrativa, um momento que é muito disruptivo para a comunicação empresarial, alavancado principalmente pelas novas tecnologias e pelo ativismo que usa essas tecnologias e pela democracia que vai se afirmando no País. E também a gente vive

Um momento em que todos hoje se transformaram em comunicadores e fica-se mais exposto.

George Bernard Shaw uma vez declarou que "o maior problema da comunicação é a ilusão de que ela foi alcançada". Concorda com ele?

Eu assino embaixo o que ele falou.

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