Consumidor tende a pagar custo da crise hídrica na geração energética

Para reduzir o consumo de água, após mais de cinco anos de seca, uma tarifa extra foi criada, afetando o setor termelétrico, que disse precisar elevar o preço

Escrito por Bruno Cabral - Repórter ,

Além de prejuízos causados para o setor agropecuário e de comprometer o fornecimento de água na Capital e no Interior, a crise hídrica por que passa o Ceará começou a afetar o setor de geração de energia elétrica do Estado. Na semana passada, as duas maiores usinas termelétricas movidas a carvão do País, a Pecém I e a Pecém II, que demandam grandes quantidades de água para operar, informaram à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que não teriam mais condições de continuar em funcionamento, caso o preço da energia vendida não seja reajustado para acompanhar a alta do custo da água no Estado.

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Juntas, as duas usinas, que operam no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp), são responsáveis por quase um terço da energia gerada no Ceará e por mais da metade do que é gerado pelas 35 usinas termelétricas em operação no Estado. Entretanto, uma eventual paralisação dessas térmicas não chegaria a comprometer o fornecimento de energia, uma vez que praticamente todo o País está conectado pelo Sistema Interligado Nacional (SIN), mas o consumidor teria de arcar com uma tarifa de energia mais cara.

"Em termos práticos a única repercussão de uma paralisação (das usinas) seria na tarifa, porque, neste caso, a Aneel terá de contratar térmicas mais caras para suprir a demanda, e isso será pago pelos consumidores do SIM. Mas, com relação ao fornecimento, não haveria problemas", diz Jurandir Picanço, coordenador do Núcleo de Energia da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec).

Estiagem

Após mais de cinco anos consecutivos de seca - a mais severa em quase um século - o volume médio acumulado nas 12 bacias hidrográficas do Estado é de apenas 8,2%, segundo a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh). E, para diminuir o consumo, o governo estadual lançou a Tarifa de Contingenciamento, com meta de redução de 10% e o pagamento de taxa por quem descumpri-la. "Neste momento, a energia térmica é absolutamente imprescindível, mas o problema da água não se resolve com multa, e sim com a paralisação", diz Picanço.

Se por um lado a escassez hídrica compromete o fornecimento de água para as térmicas, por outro lado o baixo do nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas acaba obrigando as termelétricas a funcionar. Nesta semana, por exemplo, as hidrelétricas do Nordeste estavam com apenas 12% da capacidade de armazenamento de água. No mesmo período de 2015, o nível era de 13% e no ano anterior de 21%, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Neste ano, os reservatórios nordestinos atingiram o maior patamar no mês de abril, com cerca de 35% da capacidade mas, desde então, o nível vem caindo mês a mês. "As térmicas estão praticamente todas funcionando porque os reservatórios do São Francisco estão muito baixos", diz Picanço.

"A expectativa é que o suprimento dos reservatórios venha a se regularizar, com as chuvas em Minas Gerais, onde nasce o rio. Aí o problema da energia ficaria equacionado", ele diz.

Na avaliação de Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, que elabora estudos voltados para a sustentabilidade de longo prazo para o setor elétrico no País, as usinas da bacia do São Francisco só não entraram em colapso por causa do Sistema Energético Interligado.

"O Nordeste vem recebendo energia das regiões Norte e Sudeste em grandes quantidades. Além disso, houve diminuição da pressão do lado da demanda, por conta da recessão econômica por que passa o País".

Cenários

As previsões para o próximo período de chuvas ainda não estão claras. Mas entre os possíveis efeitos causados por mais um ano de seca o aumento na conta de luz é dado como certo. Segundo Picanço, embora não seja comum, se a situação piorar é possível que o governo adote um regime de bandeiras tarifárias apenas para a região Nordeste. "Se não houver chuva o problema hídrico do Ceará será gravíssimo" ele diz, podendo inviabilizar o funcionamento de outras termelétricas do Estado, devido ao aumento de custos com água.

Além disso, o diretor setorial de Engenharia e Infraestrutura do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne), Milton Pinto, ressalta que em um cenário positivo, não será preciso despachar tantas térmicas a um preço mais elevado do que o praticado hoje. "Caso contrário o governo teria um aumento de custos para comprar essa energia", ele diz.

Por outro lado, mesmo que o próximo ciclo chuvoso seja acima da média, os impactos para o setor elétrico deverão ser pequenos no curto prazo. "Se houver alguma bonança pela frente, a prioridade será a recuperação dos estoques para garantir o abastecimento humano e depois para a agricultura", diz Jean-Paul Prates, diretor-presidente do Cerne. "Após tantos anos de seca a situação ficou tão agravada que mesmo com um ano bom de chuvas não vai ser possível sair gastando essa água. E, além disso, a energia eólica pode dar conta dessa demanda", afirma.

Embora a produção hidrelétrica seja responsável por mais de 70% da energia gerada no País, e de o nível de armazenamento das principais usinas estarem satisfatórios, Prates diz que com as novas soluções tecnológicas disponíveis é preciso pensar em outras fontes de geração, mesmo que mais caras num primeiro momento. "Não dá para viver dependendo de água para gerar energia. Obviamente que há casos em que não há outras soluções, mas precisamos em outras soluções, hoje tidas como inviáveis, porque o acesso à água vai ficar cada vez mais difícil. E essas novas soluções começam a ficar viáveis quando você tem escala, assim como aconteceu no caso das eólicas", diz.

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