Justiça manda reintegrar PMs demitidos por morte de pedreiro e absolvidos no Tribunal do Júri

Os policiais foram demitidos em 2014 por decisão da Controladoria Geral de Disciplina, mas acabaram absolvidos em um julgamento em 2016. Família permanece sem respostas sobre a morte do pedreiro

Escrito por Matheus Facundo , matheus.facundo@svm.com.br
Foto do pedreiro tico, que foi morto em 2014 e suspeitos foram policiais militares, que foram absolvidos
Legenda: Tico foi espancado e morto em fevereiro de 2014, há mais de 10 anos, no caminho de volta do trabalho
Foto: Arquivo pessoal

Desde 2018, a Justiça do Ceará ordenou a reintegração dos policiais militares (PMs) afastados e depois expulsos da corporação por acusação de tortura e morte do pedreiro Francisco Ricardo Costa da Souza, o 'Tico', ocorrida há dez anos, mas a decisão ainda não foi cumprida. Os agentes foram absolvidos durante Tribunal do Júri realizado em 2016. A acusação chegou a recorrer de sentença, mas a decisão foi mantida em instâncias superiores. 

A maioria dos jurados acatou a tese da defesa de negativa da autoria. Os PMs eram réus por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de defesa),

A defesa de três soldados da PM, que não serão identificados, pois foram inocentados, ingressou com uma ação anulatória contra o ato administrativo da expulsão, feita pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) em 2014, e ganhou na Justiça. 

No dia 1º de outubro de 2018, a juíza Lia Sammia Souza Moreira, da então Varia Única da Justiça Militar do Estado do Ceará, hoje Vara da Auditoria Militar do Estado do Ceará, anulou o procedimento administrativo contra os policiais e ainda condenou o Estado do Ceará a pagar a remuneração retroativa correspondente ao período de afastamento. 

"[...] descontando eventuais reintegrações, com a devida correção, pela TR [Taxa Referencial] ou índice da poupança equivalente, na falta desta, com juros de mora equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança, a partir da citação", aponta trecho.

Foi determinado ainda o pagamento dos honorários advocatícios custeados pelos agentes de segurança. 

Mais de cinco anos depois, no dia 19 de dezembro de 2023, o juiz Roberto Soares Bulcão determinou em uma decisão interlocutória o cumprimento da sentença de reintegração, e à época deu 10 dias para que Estado readmitisse os agentes. Ele estipulou uma pena de multa diário de R$ 1 mil por dia de descumprimento, pelo prazo de 60 dias. 

No dia 15 de janeiro deste ano, o Estado do Ceará se pronunciou por meio da Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE) e pediu documentos à  Vara da Auditoria Militar, "indicando o devido encaminhamento administrativo à PMCE para fins de cumprimento da decisão judicial". 

Entretanto, um recente despacho do juiz da Vara Militar indicou que ainda não houve o cumprimento da reintegração, pois no último dia 20 de março intimou os policiais e o Estado para se manifestarem, em um prazo de cinco dias. 

O Diário do Nordeste procurou a PMCE para saber sobre o cumprimento da determinação judicial e saber o motivo pelo qual os agentes absolvidos ainda não foram reintegrados, mas a Corporação informou que só se manifesta sobre esse caso nos autos do processo. 

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Pedreiro foi levado pelo Ronda do Quarteirão 

A vítima, Francisco Ricardo, voltava do trabalho de bicicleta na rua Francisco Glicério, no bairro Maraponga, quando foi abordado por três policiais do Ronda do Quarteirão e colocado dentro da viatura de número RD-1058.

Segundo os autos processuais, 'Tico' foi levado a um matagal próximo e espancado e torturado a dar informações sobre um roubo, pois os agentes acreditavam que ele era o suspeito. O pedreiro foi deixado no local, e algum tempo depois moradores avistaram o corpo dele e acionaram a Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops). 

O Podcast Pauta Segura contou a história de Tico. Ouça:

A mesma viatura teria atendido a esse chamada, e os policiais acusados, que anos depois seriam absolvidos, colocaram Francisco Ricardo no xadrez e o levaram ao Frotinha da Parangaba. 

Durante a fase de inquérito policial do caso, o delegado-adjunto da DAI à época, Nartan Andrade, afirmou que os PM não tinham autorização para fazer o socorro: "O Samu deveria ter sido acionado. Ao retirar o homem de lá, alteraram consideravelmente a cena do crime". 

caso tico
Legenda: "A gente acha sim que teve algumas falhas no processo. Já fazem oito anos. São oito anos que eu busco Justiça e se for preciso eu fico mais oito anos, fico o tempo que for preciso até ter respostas. Eu vou recorrer até quando puder", diz a irmã da vítima
Foto: Arquivo Pessoal

Os PMs foram afastados e investigados pela Delegacia de Assuntos Internos (DAI) da CGD, e, ao todo, 30 pessoas foram ouvidas. Testemunhas que disseram ter ouvido os gritos de Ricardo, declararam em seus depoimentos que não denunciaram, por medo da PM.

Família segue em busca de respostas 

A irmã de 'Tico', Antonia Costa de Souza, relatou ao Diário do Nordeste em 2022 sobre a situação na qual o corpo do pedreiro foi encontrado.

Meu irmão estava todo machucado, cheio de areia. Ele não tinha levado tiro. Ele foi torturado e espancado até morrer. Um maqueiro falou que os policiais chegaram no Frotinha, abriram a viatura e já botaram ele lá, morto. Foi ele quem estranhou a atitude e avisou a assistente social
Antonia Costa Sousa
Irmã do pedreiro morto

Agora, mais de dez anos após a morte, a família permanece sem respostas e querem uma definição sobre quem matou Tico. "É muito difícil e doloroso para mim e minha família, meu irmão foi torturado até a morte, e o Estado não fez nada para condenar os culpados", relata dona Antonia. 

"Minha mãe ficou doente, minha família vive com medo. Foi muita crueldade o que fizeram com meu irmão, e a justiça não foi feita. 10 anos sem resposta e ainda foi arquivado o processo, pois falaram que tinham duas versões dos fatos. Não pode é ficar assim, o fato aconteceu, as provam estão aí no processo. Meu irmão foi morto", aponta a irmã da vítima. 

Ela informou nesta quarta-feira (27) que não deixará de lutar para conseguir um desfecho para tentar acalmar seu coração e o de seus parentes. 

Tese que resultou na absolvição 

No dia do júri, a defesa dos três PMs apresentou uma tese, sustentada por imagens, de que duas viaturas diferentes foram ao local da ocorrência no dia do espancamento, o que podia provocar uma reviravolta no caso.

Na versão apresentada ao júri, os policiais do primeiro veículo teriam recolhido e matado o pedreiro, enquanto os três policiais acusados estavam na segunda viatura, que foi verificar o corpo encontrado no matagal

Segundo o advogado de defesa Daniel Maia, imagens de câmeras de segurança da região confirmaram a diferença entre as duas viaturas. 

 

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