Teatro resgata memória do poeta Zé de Matos

Escrito por Redação ,
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Crato (Sucursal) — “A Terrível Peleja de Zé de Matos com o Bicho Babau nas ruas do Crato”. Este é o espetáculo que está em apresentação no Sesc do Crato até hoje, com texto de José Flávio e direção de Mauro César e Joaquina Carlos. É uma homenagem a todos os artistas populares do Nordeste, a partir da figura central do maior e mais irreverente poeta caririense: Zé de Matos, que viveu nos engenhos de rapadura e botequins de Crato e Barbalha no início de século passado.

A estética da montagem do espetáculo é inspirada no Movimento Armorial, mesclando e dando voz poética e musical aos signos nordestinos mais expressivos como o cordel, os violeiros, os rabequeiros, os emboladores, o mamulengo e o reisado, além dos ritmos mais genuinamente caririenses como o baião de pé-de-serra, a ciranda, o xaxado, o xote e o coco. A peça teatral foi escolhida e premiada pela Secretaria de Cultura e Turismo do Estado como uma das melhores do ano de 2005. Está programada uma temporada em Fortaleza.

Segundo o médico José Flávio, autor da peça, Zé de Matos foi um dos pais da irreverência cratense tão presente, visível, no seu povo, representado por Chico Soares, Melito, Padre Luiz Antônio, Mestre Lucas, Almir Carvalho, Chico Piancó, Ramiro do Seminário e tantos outros que construíram a identidade do Crato. É o jeito cratense de ser. O lado boêmio, descontraído e poético que fazem do município uma cidade diferente. Na verdade, Zé de Matos continua vivo na reação espirituosa dos seus filhos legítimos e adotivos.

O pouco que restou do poeta popular foi transmitido de boca em boca, de língua em língua, por sucessivas gerações, como um verdadeiro brado contra a voraz destruição do tempo, o esmaecimento da memória do povo, o estilhaçamento da memória nordestina. O que restou da poética de Zé de Matos é suficiente para demonstrar categoricamente a grandeza de sua arte. Nela estão presentes o anarquismo, a irreverência, a picardia e a iconoclastia tão marcantes ainda hoje nos filhos genéticos ou adotivos do Crato.

A ser solicitado para fazer um verso , dizendo que Cristo não tinha ressuscitado, Zé de Matos respondeu: “Eu li num livro sagrado/ Que Jesus, Rei da Judéia/ Por José de Arimatéia/ Foi num sepulcro enterrado/ Ali foi posto e selado/ Mas a pedra revirou/ O corpo se levantou/ Saiu andando feliz/ Só protestante é quem Diz/ Cristo não ressuscitou”.

O intelectual cratense, José Carvalho, descreve Zé de Matos como um tipo genuíno de caboclo, sem mistura, puro sangue. Tipo meão, cheio, tórax largo, venta chata, cabeça bem proporcionada, olhos pequenos vivíssimos, voz cheia e retumbante, cabelos quase negros, valente e analfabeto. Nasceu e viveu no Cariri, nos pés de serra, onde se fez mestre de rapadura. Conviveu com algumas tragédias da sua época: a epidemia do cólera, as secas e foi testemunha também do próspero crescimento do Crato, a partir da segunda metade do século XIX.

Conviveu com grandes poetas e sátiros de sua época, dentre os quais, Luiz Dantas Quezado, Napoleão Quezado, Cego Aderaldo e Padre Verdeixas. Zé de Matos, segundo Zé Flávio, foi, sem dúvida, o nosso maior sátiro. Embriagava-se freqüentemente e sua poética atingia todos os setores do poder local: judiciário, religioso, militar e econômico. Apesar de tudo, não havia ranço em sua sátira. Era insinuante e sinuoso: a crítica viperina, a maior parte das vezes, estava concentrada numa outra palavra-chave.

Mestre de rapadura, uma espécie de químico que identifica o ponto certo do mel ser transformado em rapadura, Zé de Matos, se destacou pela sua poesia irreverente. Conta-se que, ao ser convocado para à guerra contra o Paraguai, ele respondeu ao delegado com estes antológicos versos: “Não me leve para a guerra/ Não me cause essa tristeza/ Que eu não tenho a natureza/ De vê meu sangue na terra/ Me deixe ir para serra/ Conviver com os macacos/ Dormir por sobre os buracos / Até que eu morra de fome/ Depois escreva meu nome/ No livro dos homens fracos”.

SERVIÇO: Espetáculo “A Terrível Peleja de Zé de Matos com o Bicho Babau nas ruas do Crato”. Hoje, no Teatro-Auditório SESC Crato (Rua André Cartaxo, 443). Horário 19 hs. Ingresso: R$ 6,00 (inteira) e R$ 3,00 (meia). Mais informações: (88) 3523.4444