Até quando?

Escrito por Eulália Camurça ,

24 de dezembro. Justamente na data simbólica que descortina sentimentos de paz e esperança mundiais, o espírito natalino foi interrompido pelos gritos desesperados de uma criança implorando que o pai não matasse a mãe a facadas no meio da rua. Quantos natais ainda teremos para chorar a dor de nossas mulheres vítimas de feminicídio?

Quantas linhas ainda escreveremos para chamar atenção deste problema perverso e complexo? É muito simbólico também que no ano em que o mundo enfrentou uma crise sanitária e as pessoas precisaram se isolar para manter a saúde pública, os dados de violência doméstica disparassem no Brasil. Dentro de casa, mulheres podem até ter ampliado a proteção contra o coronavírus, mas continuaram vulneráveis diante da violência, do desrespeito.

As estatísticas seguem reforçando que, assim como a pandemia, a violência não tem fronteira, nem CEP, nem cargo, nem conta bancária. Enquanto permanecermos com os pactos de silêncio, com a falha do sistema de proteção e não enfrentarmos este problema, inclusive a partir da educação de nossas crianças para a questão, a violência vai seguir sentando à mesa na ceia de Natal. Por isso, essa herança maldita nas nossas formas de se relacionar precisa ser cada vez mais discutida, analisada, compartilhada diante de suas mais terríveis variantes.

Os enfrentamentos incluem educação, reflexão, debate. Até porque a banalidade do mal se instala na ausência da reflexão dos próprios atos, como nos lembra Hannah Arendt. Se os rituais de fim de ano trazem o convite para balanços e projeções, temos que exercitar a memória para que os casos de violência não sejam esquecidos. Precisamos projetar um ano reeditando a coragem e a força não só do verbo, mas também das ações para evitar que o ano que se reinicia a cada dia não seja interrompido com estampidos de violência que não cedem nem diante do grito desesperado de uma filha.

Eulália Camurça
Jornalista e professora universitária

 

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