Reforma da Previdência deve impactar os mais jovens

Na opinião de especialistas, documento é extremamente técnico, e trabalhador precisará contribuir por 40 anos para ter 100% do salário ao se aposentar

Escrito por Redação ,

A proposta da reforma da Previdência, entregue, ontem (20), pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional, tem o objetivo central de sanar o déficit previdenciário brasileiro. Para Flávio Ataliba, secretário executivo de Planejamento e Orçamento da Secretaria do Planejamento e Gestão do Ceará (Seplag), o texto se preocupou basicamente em equilibrar financeiramente o sistema. “O problema está no sistema de repartição. Você precisa transitar o mais rápido possível desse sistema para o regime de capitalização, mas sem acabar com o regime de repartição. A proposta do jeito que está se preocupa apenas em equilibrar isso”, afirma.

Para o diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário no Ceará (IBDP-CE), Paulo Bacelar, a proposta do jeito que foi apresentada só prejudica os trabalhadores mais pobres e mais jovens. “Você tendo as condições para se aposentar por idade, o seu valor de aposentadoria vai ser uma média de todo o tempo contributivo. Então se a pessoa se aposenta com 20 anos de contribuição, que é o mínimo, ela vai se aposentar com 60% da média do salário. Então se eu pago sobre R$ 3 mil e a média for de R$3 mil eu vou me aposentar com R$1,8 mil. Então vai reduzir bastante o valor”.

Segundo ele, o trabalhador vai precisar contribuir 40 anos para receber 100% da média da aposentadoria. “Isso me assusta. Vamos dizer que a pessoa comece a trabalhar com 20 anos de idade. Pagando 40 anos de contribuição, ela vai ter 60 anos. Ainda assim, ela não vai se aposentar. Vai ter que trabalhar mais dois anos se for mulher (62 anos) e mais cinco se for homem (65 anos)”. Bacelar afirma que na realidade atual dos cearenses, os trabalhadores não vão poder parar de contribuir. “A nossa realidade são pessoas que passam muito tempo desempregadas entre um vínculo e outro. São demitidas e vão para a informalidade. A meu ver vai desincentivar a pessoa a contribuir. Você deixa de contribuir para ir para a informalidade porque sabe que vai ter uma aposentadoria menor”, acrescenta. 

Impacto nos estados

Ataliba reitera ainda que aumentando a idade mínima e elevando a alíquota de contribuição, vai reduzir o déficit da previdência. No entanto, as medidas devem prejudicar os estados e municípios mais pobres do País, como o Ceará, porque a média salarial da população é baixa. 
“Talvez, para municípios mais pobres, a alíquota média diminua, então esses mais pobres podem perder contribuição, a massa de contribuição diminui porque a alíquota inicial agora é mais baixa. A grande parte dos servidores está nessa faixa e há possibilidade de perder contribuição no caso dos municípios. Tem que fazer o cálculo para saber quanto o Estado vai perder”. 

A mudança sugere uma alíquota efetiva de 7,5% para quem ganha na faixa de até um salário mínimo no Regime Geral de Previdência Social. Atualmente, a alíquota é de 8% para quem ganha até R$1.751,81. 

Perfil técnico

Apesar de ser apontada como parte do início da solução para a situação econômica do País, a proposta de reforma foi apontada como “extremamente técnica” e “descolada da realidade brasileira” por Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). 

Segundo ela, a proposta elaborada pela equipe do ministro Paulo Guedes, da Economia, está focada apenas no âmbito econômico, sem levar muito em consideração o lado social necessário ao sistema previdenciário. A presidente do IBDP ainda afirma que, da forma como foi apresentada, a reforma tende a afastar a população do sistema da Previdência Social, o que deverá fazer com mais pessoas procurem opções complementares, como a Previdência Privada.

“É uma proposta extremamente dura e com foco muito econômico, sem se preocupar com pessoas que estavam na iminência de se aposentar, além de ser muito técnico e de difícil de acesso para população. Ela tem muitas regras de transição e ainda deve ter outra quando entrar uma mudança para o regime de capitalização”, avalia Bramante.

Outra preocupação da presidente do IBDP é que o modelo apresentado dificultaria consideravelmente a conquista da aposentadoria integral, uma vez que o cálculo exigiria pelo menos 40 anos de contribuição levando em conta 100% dos pagamentos ao INSS. “As pessoas vão pegar o mínimo para conseguir se aposentar. Isso joga todo mundo para a Previdência Complementar. A social será apenas para subsistência, quem quiser mais renda, qualidade de vida, vai precisar fazer uma previdência completar porque a social vai ter um beneficio muito baixo”, pondera.

Expectativas do mercado

Contudo, para o economista Ênio Arêa Leão, sócio da Conceito Investimentos, a proposta apresentada nessa quarta é uma ótima sinalização ao mercado financeiro, pois reorganizaria questões estruturais antigas, como a pensão pós-morte, por exemplo. 

“O projeto caminha para um modelo único e ele, inicialmente, parece bom. Tem algumas coisas que vêm para corrigir questões estruturais antigas. Além disso, separamos do modelo a assistência social e ainda teremos o modelo de capitalização, que o mais estável no mundo inteiro”, afirma Arêa Leão.

Déficit também é dos estados

O governador do Ceará, Camilo Santana, disse ontem (20) em Brasília que o déficit da Previdência não é só da União, mas também dos estados. “Há uma unanimidade na necessidade Reforma da Previdência. Há uma importância de colocar os déficits públicos da Previdência em debate. Porque o déficit da Previdência não é só da União, é um déficit dos estados. É os déficit do País, é isso que está sendo discutido dentro do projeto. Isso não pode ficar fora, que é o grande “gargalo” fiscal dos estados”. De acordo com ele, há estado que não consegue investir 1/3 do percentual que gasta com o déficit da sua receita corrente líquida. “O Ceará está diferenciado no contexto geral. Nós investimos 15% da nossa receita corrente líquida. Tem estado que não consegue investir nem 1/3. Então é um ponto ou solução do déficit a curto prazo que precisa estar dentro do debate”, disse.

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