Pesquisa destaca estratégias de produtores para resiliência agrícola

Estudo vem sendo realizado desde 2013 com 100 famílias e teve os primeiros resultados divulgados neste mês

Escrito por Redação ,
Legenda: O Semiárido brasileiro tem seis núcleos de desertificação: Cabrobó (PE), Gilbués (PI), Inhamuns (CE), Irauçuba (CE), Jaguaribe (CE) e Seridó (PB e RN)
Foto: Foto: Kid Júnior

Para os pequenos agricultores do sertão nordestino, a convivência com a estiagem perpassa a construção de sistemas agrícolas e de pecuária, de onde tiram a subsistência, que consigam resistir ao extremo climático. Diante de três anos seguidos de seca, o enfrentamento à desertificação vai se tornando mais difícil, dependendo cada vez mais da experiência e dos conhecimentos próprios do produtor, associados a estratégias inovadoras com foco na resiliência da agricultura.

Algumas dessas iniciativas vêm sendo analisadas desde 2013, por meio de uma parceria entre a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e o Instituto Nacional do Semiárido (Insa). Juntas, as entidades são responsáveis pela pesquisa "Sistemas Agrícolas Familiares Resilientes a Eventos Ambientais Extremos no Contexto do Semiárido Brasileiro", que procura identificar os métodos ecológicos e sociais utilizados por agricultores para manter a produção nas lavouras mesmo em tempos de estiagem.

Ainda em andamento, o estudo teve seus primeiros resultados apresentados na última semana, durante o seminário internacional "Construção da Resiliência Agroecológica em Regiões Semiáridas". O evento, realizado em Campina Grande, na Paraíba, contou com a participação de acadêmicos, organizações não governamentais, representantes do Governo Federal e produtores, que se reuniram para discutir as iniciativas focadas na resistência da agricultura a perturbações ambientais e socioeconômicas.

O levantamento acompanha a vida de 100 famílias residentes em 10 territórios do semiárido brasileiro: Sertão do São Francisco, na Bahia; Ibiapaba, no Ceará; Alto Rio Pardo, em Minas Gerais; Cariri/Seridó e Borborema, na Paraíba; Sertão do Araripe, em Pernambuco; Vale do Guaribas, no Piauí; Sertão do Apodi, no Rio Grande do Norte; Alto Sertão, em Sergipe; e Médio Sertão, em Alagoas.

Inventário

No seminário, foram divulgados os dados obtidos na análise de quatro propriedades. Nelas, as alternativas adotadas pelos produtores vão do uso de áreas coletivas para pastejo e extrativismo vegetal sustentável, à diversificação do plantio e da criação de animais.

Segundo Luciano Silveira, representante da ASA, a pesquisa tem revelado a existência de um inventário de inovações tanto técnicas quanto socioambientais que as comunidades agrícolas desenvolveram ao longo do tempo.

"Do ponto de visto técnico, uma primeira dimensão está associada à ampliação do armazenamento de recursos para estabilizar a oferta no período de estiagem e aumentar a capacidade de recomposição do sistema após a seca", afirma ele. As famílias aprenderam a fazer o estoque de alimentos para consumo próprio, como milho e feijão; água e forragem para o rebanho. Assim, foram capazes de garantir maiores condições de atravessar os meses de seca.

Uma outra estratégia, conforme Silveira, diz respeito ao manejo da agrobiodiversidade, com a diversificação produtiva dos sistemas e a utilização de uma variedade de espécies mais adaptadas ao semiárido. "A Agroecologia da diversidade é mais eficaz pois permite que uma variedade maior de espécies sejam cultivadas, o que acaba minimizando os riscos. Um cultivo pode não ir muito bem, mas outro pode. Há uma produção mais estável", afirma o representante da ASA.

Quintais produtivos

Por fim, Silveira explica que um terceiro método para construir a resiliência nas comunidades agrícolas é a valorização de pequenos nichos de produção, como o quintal produtivo. Essa é a técnica utilizada pelos agricultores Maria Aparecida e seu Claudionor, moradores do município Porto da Folha, em Sergipe. O casal é uma das famílias acompanhadas pela pesquisa da ASA.

Em sua propriedade, um pequeno espaço de terra de 0,3 hectare, eles organizaram um quintal diversificado com cultivo de hortaliças e frutas, criação de abelhas e aves, e produção energética, o que contribui para aumentar a capacidade de recuperação do sistema.

Para Luciano Silveira, o estudo se destaca por envolver as próprias famílias e organizações locais no processo de apuração e desenvolvimento. Com isso, os participantes podem se apropriar dos resultados e utilizá-los como subsídio para valorizar práticas, fortalecer algumas estratégias e reorientar outras.

"Além disso, a ideia é que possa utilizar os dados da pesquisa no plano de políticas públicas, para fortalecer e elaborar diretrizes relacionadas às ações promotoras de resiliência no semiárido", afirma Silveira.

Fique por dentro

Parceria entre Asa e Insa leva água às famílias

O seminário internacional "Construção da Resiliência Agroecológica em Regiões Semiáridas", promovido pela ASA e pelo Insa, reuniu mais de 100 participantes para debater os efeitos da agroecologia no combate à desertificação e na construção da resiliência nas localidades brasileiras afetadas pela seca. Nos últimos 15 anos, as duas entidades trabalham em grandes iniciativas que auxiliam agricultores a recuperar o potencial de produção do solo em períodos de extremos climáticos.

Os projetos "Um Milhão de Cisternas" (P1MC) e "Uma Terra, Duas Águas" (P1+2) garantem às famílias abastecimento de água tanto para consumo humano, como para as demandas da agricultura e da pecuária, durante meses de estiagem.

Vanessa Madeira
Repórter

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