Especialista orienta a como lidar com as frustrações em tempos de coronavírus

Com a pandemia, muitos tiveram de adiar os sonhos de casamentos, aniversários, viagens e shows

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: Apesar dos prejuízos, viagens, festas de casamento e shows precisaram ser adiados ou cancelados em decorrência da pandemia do novo coronavírus

Prestes a subir ao altar, Hirlana Almeida, de 31 anos, viu o sonho que fora planejado por mais de um ano comprometido pela pandemia do novo coronavírus, declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), no dia 11 de março. A médica cearense, que mora em São Paulo, já estava com data marcada e todos os preparativos acertados para a festa que aconteceria no dia 16 de maio, na Praia da Tabuba, em Caucaia.

"Na semana passada, começamos a ver as notícias e pensamos que seria inviável fazer a festa. Como apareceram casos em vários locais do Brasil, decidimos por adiar a data", conta a noiva. Com convidados vindos de pelo menos 10 estados diferentes do País, e sem encontrar outra data disponível para realizar ainda neste ano, Hirlana e o noivo Higor tiveram de marcar para maio de 2021.

"Falamos com os fornecedores, muitos deles já com datas lotadas e ficou inviável adiar para o segundo semestre. Achamos que para os convidados, que muitos tinham até pedido férias para o período, também seria mais complicado para se reorganizar", explica a médica.

Viagem

Para Hirlana, o sentimento é de muita tristeza e frustração. "Era um momento de comemorar, você se programa com bastante antecedência. Mas, diante da situação que está se instalando no mundo e, agora, no Brasil, se torna algo bem menor". Além do casamento, a médica teve de desmarcar a lua de mel, que seria em Orlando, nos Estados Unidos, e em Cancún, no México.

Outro sonho que precisou ser adiado foi acompanhar de perto os Jogos Olímpicos, que acontecem entre julho e agosto, em Tóquio, mesmo sem terem sido prorrogados ainda. Apaixonada por esporte, Hirlana conta que diante da atual situação não faz mais sentido ir.

Essa frustração, de acordo com a psicóloga Maria Camila Moura, é algo comum, já que ela surge a partir de uma expectativa que não se cumpriu e pode acontecer em diversas situações cotidianas. "Tenho a expectativa de que meu ônibus chegue 10h da manhã, ele não chegou, então eu fico frustrada. Tanto com coisas cotidianas quanto com coisas grandes, fiz o planejamento de uma viagem, um megainvestimento e, de repente, tenho um voo cancelado", explica.

Show

Outro a ter planos frustrados foi Talyson Pereira, de 27 anos. O engenheiro de transportes aproveitaria as férias para ir ao Lollapalooza Brasil, famoso festival de música que aconteceria entre 3 e 5 de abril, em São Paulo. De lá, seguiria viagem para o Rio de Janeiro para reencontrar amigos que não via há mais de dois anos.

Talyson foi ao evento pela primeira vez em 2016 e, desde então, não teve a oportunidade de voltar. "Para esta edição, consegui juntar dinheiro e comprei os ingressos sem nem saber as atrações que iriam se apresentar e, para completar, eram minhas primeiras férias desde que eu comecei a trabalhar", diz. No entanto, não sabe ainda se vai conseguir se reorganizar para marcar presença nas novas datas: 4, 5 e 6 de dezembro.

"Desde que surgiram os boatos do adiamento e vendo as notícias de cancelamento do evento em outros países, eu fiquei muito triste. Já tinha feito todo o planejamento de ver meus amigos, então eu fiquei muito mal. Mas, hoje, já estou mais ou menos conformado", declara.

Coletividade

A psicóloga aponta que essa aceitação pode se tornar um pouco mais fácil a partir do momento em que você entende que é uma questão coletiva. "Quando a gente se dá conta que isso é um grãozinho de areia comparando a proporção mundial que isso tem tomado, esse pensar coletivo ajuda nessa capacidade de adaptação".

É dessa forma que a resiliência, capacidade de se adaptar a situações que não são uma escolha, é ativada. "Ainda há sofrimento, porque estamos orbitando nas nossas páginas individuais: meu casamento, minha viagem, meu evento. Neste momento é preciso agir pelo coletivo". No entanto, por questões estruturais e de construção da personalidade, esse pensamento no todo pode não ser bem assimilado como algo urgente, aponta Maria Camila.

"A nossa sociedade estimula muito a individualidade, tem vários indivíduos conectados, juntos, mas em que sentido? O que importa é a minha individualidade, é minha alta performance, meu trabalho, meu desempenho. Por isso, sair desse ponto é difícil para todo mundo. Infelizmente, a gente chegou numa questão de saúde pública que está nos suplicando pensar no coletivo. Se não pensarmos, o individual vai ficar ruim".

No caso de planos frustrados para as crianças, a dica da psicóloga é saber como explicar a situação e não subestimar a capacidade dela de entender.

"Tem que ter o cuidado com o vocabulário, tornar isso algo concreto e visível para elas. Colocar ela como um ser cidadão, da sociedade, elas entendem muito mais quando acionadas dessa forma", explica.

Maria Camila aponta ainda que há uma diferença entre aceitar e compreender. A compreensão é quando se tem a maturidade emocional de entender todos os processos, logo fica mais fácil a aceitação. "Quando a gente se conscientiza do nosso papel, isso também se torna mais fácil".

Isolamento e cuidados

Outra questão apontada por Maria Camila é a quarentena, adotada por trabalhadores que conseguem exercer a profissão em modelo home-office, ou seja, trabalham de casa, e também por aqueles que têm a opção de ficar nas residências. O isolamento social pode ser um gatilho para crises de ansiedade, de pânico e até mesmo de depressão. A ideia é, portanto, usar a criatividade, especialmente, para quem convive com criança.

Montar uma rotina e inventar atividades para fazer no ócio, como cursos online, ler, assistir a filmes e séries, são algumas das dicas da psicóloga, além disso é interessante aproveitar esse período para fazer coisas que antes não poderiam ser feitas pela falta de tempo.

"Entender a transitoriedade da coisa, isso não só em momentos críticos como agora, vamos esperar porque em algum momento a crise vai passar", pontua.

Além disso, é importante manter-se bem informado por fontes seguras para evitar o pânico generalizado, que pode paralisar e impedir a ação estratégica diante dessa situação. Entretanto, é preciso também ter cuidado com o excesso do consumo de notícias, já que pode gerar o efeito contrário e desencadear a ansiedade.

"Medo é uma coisa que devemos todos ter, medo nos protege, nos dá estratégia para sobreviver em momento de crise, enquanto o pânico paralisa. Dá um mal-estar em que a pessoa não consegue nem nomear direito esse sentimento, por isso, é tão importante tomar as medidas preventivas recomendadas pela OMS". Entre os cuidados estão higienizar mãos e objetos pessoais, evitar tocar no nariz, olhos e boca, além de privar-se de aglomerações.

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