Bailarinos entre 60 e 90 anos abrem Bienal de Dança do Ceará: "O corpo velho é a própria subversão”

Idealizador do espetáculo “Corpos Velhos - Pra que servem?”, bailarino e coreógrafo Luís Arrieta fala ao Verso sobre envelhecimento e arte como alargamento de formas de percepção

Escrito por João Gabriel Tréz , joao.gabriel@svm.com.br
Espetáculo de dança 'Corpos Velhos – Pra que servem?' reúne nove bailarinos com idades que vão da faixa dos 60 a dos 90 anos
Legenda: Espetáculo de dança 'Corpos Velhos – Pra que servem?' reúne nove bailarinos com idades que vão da faixa dos 60 a dos 90 anos
Foto: Silvia Machado / Divulgação

“A gente não pensa duas vezes, a gente vai e faz. A vida inteira fizemos isso, e a gente continua fazendo, mesmo com muletas, bengalas”. Quem afirma é o coreógrafo e bailarino Luis Arrieta, idealizador e diretor do espetáculo de dança “Corpos Velhos - Pra que servem?”. A obra, que reúne nove bailarinos com idades que vão de 62 a 91 anos, marca a abertura da XIV Bienal Internacional de Dança do Ceará

Com 72 anos de vida e mais de 50 de trabalho na linguagem, o artista convidou para o projeto um grupo de nomes incontornáveis da história da dança brasileira: Célia Gouvêa, 74 anos; Décio Otero, 91; Lumena Macedo, 62;, Marika Gidali, 86; Neyde Rossi, 85; Mônica Mion, 69; Iracity Cardoso, 78; e Yoko Okada, 88.

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A obra surgiu de um contexto, como define Luis, “prosaico”. Inicialmente, ele buscava apoio de entidades públicas de São Paulo para a preservação do acervo de fotos, vídeos e textos acumulados por ele ao longo da carreira. O espetáculo, então um solo, funcionaria apenas como contrapartida

O tempo até conseguir o apoio levou a uma reestruturação da ideia inicial e Luis achou “interessante incluir outras pessoas velhas, que nem eu”. “Resumindo a história, a contrapartida se tornou muito maior que o próprio projeto, porque o nome destas pessoas e tudo o que elas fizeram durante tantos anos é tão importante que, no lugar de ser uma preservação de um acervo, que seria o meu, virou nove acervos ao vivo”, define o artista.

O coreógrafo, bailarino, professor e pesquisador Luis Arrieta é o idealizador e diretor da obra
Legenda: O coreógrafo, bailarino, professor e pesquisador Luis Arrieta é o idealizador e diretor da obra
Foto: Silvia Machado / Divulgaçaõ

“Pessoas acham que estamos juntos porque somos velhos, mas na realidade o que nos une é um longo trabalho com a dança. O que tem menos deve ter meio século de dedicação”, calcula.

As “muletas, bengalas” e limitações de movimentação não foram motivo de insegurança para os artistas. “Muitos dizem ‘o Arrieta é muito louco, muito ousado’, mas loucos e ousados são os outros que me acompanham, que decidiram entrar nisso. E é maravilhoso, só grandes profissionais poderiam ter essa facilidade de se despojar”, considera.

Com nomes que fundaram ou passaram por experiências como a São Paulo Companhia de Dança, a Cisne Negro Cia. de Dança, o Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio e o Ballet Stagium, entre outros, o grupo já se conhece há décadas.

'A gente continua fazendo, mesmo com muletas, bengalas', atesta o coreógrafo e bailarino Luis Arrieta
Legenda: "A gente continua fazendo, mesmo com muletas, bengalas", atesta o coreógrafo e bailarino Luis Arrieta
Foto: Silvia Machado / Divulgação

“Os nossos encontros foram para reconhecermos uns aos outros. Conversamos muito com a boca, com a palavra, primeiro. Aos poucos, chegamos à conclusão de que a conversa era física e foi com ela que desenvolvemos o trabalho”, compartilha. 

A ênfase nos gestos, inclusive, é aspecto norteador do espetáculo. “Espetáculos, principalmente de dança, onde a palavra falada praticamente não existe, são um convite ao desenvolvimento de outras maneiras de percepção. O ‘processo’ é o público que tem que descobrir, porque aí está a comunicação. É uma descoberta, um treino de outros centros de percepção que nós todos temos”, aponta.

Com isso, o bailarino e coreógrafo reforça que o convite é para que os presentes assistam ao espetáculo “de corpo a corpo, como quando a gente namora e se comunica fisicamente com alguém que nós amamos ou com quem nos sentimos cômodos. É dessa maneira que a gente assiste a um espetáculo de dança”, ensina.

Espetáculo foi idealizado pelo coreógrafo Luis Arrieta e estreou em outubro de 2023 em São Paulo
Legenda: Espetáculo foi idealizado pelo coreógrafo Luis Arrieta e estreou em outubro de 2023 em São Paulo
Foto: Silvia Machado / Divulgação

A repercussão da obra junto ao público, inclusive, é destacada por Arrieta. “Além da emoção porque muitos que assistem foram alunos, trabalharam ou assistiram espetáculos dessas pessoas, também tem o lado emocional do próprio movimento destas pessoas que expressam, com seus corpos de hoje, muitos sentimentos”, aponta.

Mais do que quaisquer elaborações intelectuais, sobre etarismo, envelhecimento e tempo, o bailarino destaca a presença desses “corpos de hoje” como a principal mensagem do espetáculo — especialmente em um mundo “onde a presença do velho, do gasto, não é bem recebida”.

“O tema do etarismo está na moda, existem muitos espetáculos feitos para falar e mostrar aspectos do velho, como maneira até de protesto. Aqui, a nossa presença já é o protesto. A velhice é mais um momento na vida e temos que dançar, nos expressar com ele. Não precisamos de nenhuma bandeira porque o corpo velho é o próprio protesto, a própria subversão”, sustenta.

“Corpos Velhos – Pra que servem?” 

Quando: 28 de março, às 18 horas, em Fortaleza, e 29 de março, às 20 horas, em Paracuru
Onde: Cineteatro São Luiz (rua Major Facundo, 500 - Centro) e Teatro David Linhares, respectivamente
Entrada gratuita; retirada de ingressos presencialmente na bilheteria do Cineteatro (funcionamento de terça a sexta, das 9h30 às 18 horas, e sábado, das 9h30 às 17 horas)
Mais informações: www.bienaldedanca.com e no Instagram @bienaldedanca

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