O que muda para a remoção de fake news das redes sociais com a MP de Bolsonaro

Diário do Nordeste traz os trechos alvo de maiores discussões jurídicas, e a opinião pessoal do articulista

Foto: Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

O Presidente Jair Bolsonaro editou, em edição extra do Diário Oficial desta segunda, 6 de setembro de 2021, a Medida Provisória 1.068/2021 (MP 1068), que dispõe sobre o uso de redes sociais.

Principalmente porque a norma ingressa no ordenamento jurídico menos de 24 horas antes das manifestações de 7 de setembro, na internet o debate sobre o tema é intenso: para alguns, a medida dificulta ainda mais a exclusão de conteúdos por parte das redes sociais, mesmo quando forem fake news ou fizerem apologia ou defesa de qualquer crime. Para outros, é autoritária, eis que se superpõe ao Marco Civil da Internet, que teve quase uma década de debate. Há quem diga que há desobediência à liberdade do próprio provedor, que é uma empresa privada que oferece uma rede social à qual ninguém é obrigado a se associar.

Segundo o Ministro Mario Frias, a medida “garante a liberdade nas redes sociais”. A Secretaria de Comunicação chegou a desmentir o influenciador Felipe Neto, que afirmou ser a medida “extremamente grave”.

Vale ressaltar que na quinta-feira, dia 2, Jair Bolsonaro já havia vetado artigo de lei que previa até cinco anos de reclusão para quem cometesse o crime de “comunicação enganosa em massa”.

Validade da Medida Provisória 

As Medidas Provisórias são normas com força de lei editadas pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência (art. 62 da CF/88). Embora produzam efeitos jurídicos imediatos, necessitam de posterior apreciação pelas Casas do Congresso Nacional; se for rejeitada pelo Senado ou pela Câmara dos Deputados, perde a validade.

É possível também, a toda Medida Provisória, que seja tida como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, perdendo também sua validade.

Em primeira mão, o Diário do Nordeste traz os trechos alvo de maiores discussões jurídicas, e a opinião pessoal do articulista.

Suposta proteção à liberdade de expressão

Art. 8º-A, parágrafo único. É vedada aos provedores de redes sociais a adoção de critérios de moderação ou limitação do alcance da divulgação de conteúdo que impliquem censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa (...).

Os propagadores de fake news e apologistas de crime, sejam de direita ou esquerda, costumam dizer que “a liberdade de expressão” e a “livre manifestação política, ideológica, científica, artística ou religiosa” lhes autoriza a delinquir, o que não é verdade, uma vez que qualquer juiz em sã consciência e saúde mental identifica quando uma notícia é maldosamente falsa ou quando realiza, divulga ou encoraja ação criminosa. Não é necessário, como dizem, um “tribunal da verdade” só para isso, uma vez que sempre esteve ao alcance do Poder Judiciário regular as relações humanas, interpretando e aplicando as leis. O dispositivo acima, recentemente editado, parece inócuo para proteger esses violadores da lei, enquanto houver juízes, pelos mesmos motivos.

Restrição à eliminação de perfil

Art. 8º-B Em observância à liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, a exclusão, o cancelamento ou a suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades da conta ou do perfil de usuário de redes sociais somente poderá ser realizado com justa causa e motivação.

§ 1º Considera-se caracterizada a justa causa nas seguintes hipóteses:

I - inadimplemento do usuário;
II - contas criadas com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público, ressalvados o direito ao uso de nome social e à pseudonímia e o explícito ânimo humorístico ou paródico;
III - contas preponderantemente geridas por qualquer programa de computador ou tecnologia para simular ou substituir atividades humanas na distribuição de conteúdo em provedores;
IV - prática reiterada das condutas previstas no art. 8º-C;
V - contas que ofertem produtos ou serviços que violem patente, marca registrada, direito autoral ou outros direitos de propriedade intelectual; ou
VI - cumprimento de determinação judicial.

§ 2º O usuário deverá ser notificado da exclusão, do cancelamento ou da suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades da conta ou do perfil.

§ 3º A notificação de que trata o § 2º:
I - poderá ocorrer por meio eletrônico, de acordo com as regras de uso da rede social;
II - ocorrerá de forma prévia ou concomitante à exclusão, ao cancelamento ou à suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades da conta ou do perfil; e
III - conterá a identificação da medida adotada, a motivação da decisão e as informações sobre prazos, canais eletrônicos de comunicação e procedimentos para a contestação e a eventual revisão pelo provedor de redes sociais.

§ 4º As medidas de que trata o caput também poderão ser adotadas a requerimento do próprio usuário, de seu representante legal ou de seus herdeiros, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas na legislação." (NR) 

Sob a suposta justificativa da “liberdade”, verifica-se acima que para suspensão ou exclusão de perfis é necessário justa causa e motivação – na prática, obediência a um dos requisitos I a VI, além de uma exposição de motivos por parte do provedor, indicando, inclusive, o trecho do termo de uso violado, a postagem violadora e o fundamento jurídico da decisão (art. 8.º - D, I, II e III).

Assim, haverá a punição para o perfil apenas em casos de I - usuário que não paga assinatura (quando é o caso), II - falsa conta (que não seja humorística), III - robôs, IV - prática reiterada de condutas ilegais, nudez ou sexo, V - violação de patente ou VI – cumprimento de ordem judicial.

A MP deixa claro que a justa causa e motivação são apresentadas prévia ou concomitantemente à exclusão do perfil (§ 3.º, II). Na prática, uma pessoa que, por exemplo, arregimenta a população a cometer crimes usando redes sociais como forma de divulgação só perderá o perfil após reiterar a conduta criminosa e tendo direito a um litígio administrativo contra o provedor, antes do litígio judicial, se for o caso.

Restrição à eliminação de conteúdo

"Art. 8º-C Em observância à liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, a exclusão, a suspensão ou o bloqueio da divulgação de conteúdo gerado por usuário somente poderá ser realizado com justa causa e motivação.

§ 1º Considera-se caracterizada a justa causa nas seguintes hipóteses:

I - quando o conteúdo publicado pelo usuário estiver em desacordo com o disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990;
II - quando a divulgação ou a reprodução configurar:

a) nudez ou representações explícitas ou implícitas de atos sexuais;
b) prática, apoio, promoção ou incitação de crimes contra a vida, pedofilia, terrorismo, tráfico ou quaisquer outras infrações penais sujeitas à ação penal pública incondicionada;
c) apoio, recrutamento, promoção ou ajuda a organizações criminosas ou terroristas ou a seus atos;
d) prática, apoio, promoção ou incitação de atos de ameaça ou violência, inclusive por razões de discriminação ou preconceito de raça, cor, sexo, etnia, religião ou orientação sexual;
e) promoção, ensino, incentivo ou apologia à fabricação ou ao consumo, explícito ou implícito, de drogas ilícitas;
f) prática, apoio, promoção ou incitação de atos de violência contra animais;
g) utilização ou ensino do uso de computadores ou tecnologia da informação com o objetivo de roubar credenciais, invadir sistemas, comprometer dados pessoais ou causar danos a terceiros;
h) prática, apoio, promoção ou incitação de atos contra a segurança pública, defesa nacional ou segurança do Estado;
i) utilização ou ensino do uso de aplicações de internet, sítios eletrônicos ou tecnologia da informação com o objetivo de violar patente, marca registrada, direito autoral ou outros direitos de propriedade intelectual;
j) infração às normas editadas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária referentes a conteúdo ou material publicitário ou propagandístico;
k) disseminação de vírus de software ou qualquer outro código de computador, arquivo ou programa projetado para interromper, destruir ou limitar a funcionalidade de qualquer recurso de computador; ou
l) comercialização de produtos impróprios ao consumo, nos termos do disposto no § 6º do art. 18 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990;
III - requerimento do ofendido, de seu representante legal ou de seus herdeiros, na hipótese de violação à intimidade, à privacidade, à imagem, à honra, à proteção de seus dados pessoais ou à propriedade intelectual; ou

IV - cumprimento de determinação judicial.

§ 2º O usuário deverá ser notificado da exclusão, da suspensão ou do bloqueio da divulgação de conteúdo por ele gerado.

§ 3º A notificação de que trata o § 2º:

I - poderá ocorrer por meio eletrônico, de acordo com as regras de uso da rede social;
II - ocorrerá de forma prévia ou concomitante à exclusão, à suspensão ou ao bloqueio da divulgação de conteúdo; e
III - conterá a identificação da medida adotada, a motivação da decisão e as informações sobre prazos, canais eletrônicos de comunicação e procedimentos para a contestação e a eventual revisão pelo provedor de redes sociais.

§ 4º As medidas de que trata o caput também poderão ser adotadas a requerimento do próprio usuário, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas na legislação." (NR)

Também sob o alegado fundamento da “liberdade”, verifica-se acima que, para exclusão de conteúdo, é necessário também justa causa e motivação – na prática, obediência a um dos requisitos I a IV, igualmente com uma exposição de motivos por parte do provedor, indicando, inclusive, o trecho do termo de uso violado, a postagem violadora e o fundamento jurídico da decisão (art. 8.º - D, I, II e III).

Os requisitos para exclusão do conteúdo, alternativamente, são: I - desobediência ao Estatuto da Criança e do Adolescente; II – nudez, sexo e alguns delitos previstos na legislação, lamentavelmente deixando de fora os delitos de ação pública condicionada à representação, como estelionato (art. 171, CP), divulgação de segredo (art. 153, CP), e os de ação penal privada, como calúnia (art. 138, CP), injúria (art. 140, CP) e difamação (art. 139, CP), dentre vários outros; III – pedido do ofendido, quando feridos direitos da personalidade e autorais, ou; IV – decisão judicial.

Na prática, por exemplo, é necessário que a vítima de campanha de fake news faça um requerimento ao provedor para que o conteúdo seja excluído - o que é um absurdo, sobretudo quando a vítima de falsas informações é toda a sociedade. Já a vítima de estelionato precisa – veja só – de uma ordem judicial. Assim, o provedor só poderá agir reativamente, sendo impedido de minimizar efeitos que, sabe-se, são incomensuráveis à comunidade.