Casos de violência em escolas não são contabilizados pela Seduc

Denúncias do Disque 100 mostram que mais de mil ocorrências de violações contra crianças e adolescentes foram registradas dentro do ambiente escolar, em oito anos. Para prevenção, Secretaria lançou cartilha

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Legenda: Parede em região de unidade escolar com pichação em referência a uma facção criminosa
Foto: Natinho Rodrigues

A professora Gisele Silva (nome fictício, para preservar identidade) "nunca esquece" o dia em que presenciou um dos alunos, de 16 anos, ser ameaçado de morte ali, no pátio de uma escola estadual da periferia, "por um menino franzino que entrou com a faca na cintura". "Medo e pena", ela assume ter sentido. O episódio é só um recorte das violências que atravessam meninas e meninos no ambiente escolar, não contabilizadas pela Secretaria da Educação (Seduc). De 2011 a junho de 2019, violações contra crianças e adolescentes dentro das escolas do Ceará somaram 1.117 denúncias ao Disque 100.

Questionada pela reportagem, a Seduc informou estar "desenvolvendo um sistema para o acompanhamento dessas informações", indicando que dados dessa natureza são de competência da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) - esta, porém, não respondeu nossa solicitação de estatísticas (feita na última quinta-feira, 30) até o fechamento desta edição.

Enquanto isso, apenas o equivalente a 1,7% das denúncias do Disque 100 se converteu em registros nas Promotorias de Justiça do Núcleo de Defesa da Educação do Ministério Público do Ceará (MPCE). Em 2018, foram abertos sete procedimentos sobre a temática de violência nas escolas; no ano passado, outros 12, somente em Fortaleza. "Ressalta-se que nem todos chegam ao conhecimento do MPCE, e que, em grande maioria, os procedimentos versam sobre violência ocorrida no interior da escola", informou o órgão, em nota.

Na tentativa de ampliar a segurança nas instituições de ensino, a Seduc, em parceria com o MPCE, lançou a cartilha "Escola Protegida", com recomendações a pais, mães, professores, vigilantes e outros membros da comunidade escolar sobre precauções, posturas preventivas a serem adotadas na rotina de segurança das instituições públicas. O material será distribuído pelas escolas da Capital cearense e do interior.

Jussara Batista, secretária de Gestão da Rede Escolar da Seduc, reforça que o foco da Pasta é a "prevenção por meio de estratégias pedagógicas".

Nada funciona na escola se não tivermos colaboração dos pais, da vizinhança e de toda a rede protetiva. A ideia é fazer com que o diretor consiga articular todos esses segmentos que acompanham a rotina escolar, que os pais confiram o horário que o aluno sai de casa, da escola, os objetos que leva. Que os porteiros observem quem está entrando, fiquem alertas

A procuradora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância, da Juventude e da Educação (Caopije), Elizabeth Almeida, afirma que a proposta do MPCE era "estabelecer uma interlocução entre Seduc e SME (Secretaria Municipal de Educação) com a própria SSPDS para implantar mecanismos de alerta dentro da escola", mas que a ideia "não foi desenvolvida", já que a Pasta da Educação preferiu adotar "uma visão mais pedagógica".

Em nota, a Seduc aponta que "conta com ações para promover a cultura de paz nas escolas, como as Células de Mediação Escolar e Cultura de Paz" e o desenvolvimento das competências emocionais dos estudantes. Já a procuradora do MPCE resume o que acredita ser a raiz do cenário problemático: "a maior violência hoje é o abandono familiar, a desestrutura social, que repercute na escola, gerando violência. Hoje, a saúde, a assistência social e a segurança pública têm de estar integradas à escola, dando esse apoio", avalia Elizabeth.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.