Livros assinados por Aline Bei, Hans Fallada e Vitor Abdala ecoam no mercado editorial neste ano

Engenhosas tramas sobre perdas, violências e bravuras devem fisgar a audiência no cenário das letras

Escrito por Diego Barbosa , verso@verdesmares.com.br

Quais critérios determinam a longevidade e alcance de uma obra? Uma atenta pesquisa sobre a questão implica em não se conformar com pequeno número. Há uma diversidade de variáveis capazes de catapultar certas narrativas a um lugar de aconchego na memória, algo que vai do contexto no qual o livro foi gerado até a ressonância da temática registrada em brochura.

Sem perder de vista os lançamentos deste ano, mas considerando a relevância de escritos que ganharam as prateleiras ou obtiveram maior reconhecimento em 2018, selecionamos três obras que parecem ir ao encontro do ideal de atemporalidade aqui descrito.

São exemplares que primam por estabelecer um nexo todo pertinente com a contemporaneidade, sem, contudo, desfocar do cuidadoso tratamento com sentimentos de sempre, a exemplo de traumas, violências e testemunhos concretos de obstinação.

"Morrer sozinho em Berlim", de Hans Fallada (1893-1947), cumpre o expediente de imergir neste último assunto. Publicado originalmente dois anos após o término da Segunda Guerra Mundial, o livro foi redescoberto na esteira da reunificação alemã e ganhou maior repercussão em 2009, quando obteve a primeira tradução para o inglês.

Legenda: Hans Fallada é um dos nomes mais importantes da literatura alemã no século XX
Foto: Foto: Aufbau Verlag

Tornou-se rapidamente, a partir dali, best-seller internacional e fincou o autor (cujo nome verdadeiro era Rudolf Ditzen) como um dos mais importantes vultos alemães do século passado. No Brasil, chegou em novembro de 2018 sob a tutela da Editora Estação Liberdade, com tradução de Claudia Abeling.

A pompa em torno da história contada justifica-se por ser a pioneira em retratar a resistência ao nazismo em solo alemão.

Por meio da ótica de Otto e Anna Quangel - que decidem realizar uma guerrilha de pequenos atos após a morte do filho na guerra - ficamos sabendo de detalhes de uma Berlim em estado de sítio, como os tipos que compunham a Capital (marginais, trabalhadores e pequenos tiranos).

O caso é baseado em fatos reais. Uma pilha de arquivos com processos de cidadãos condenados pelo regime nazista foi deixado na sede da Associação Cultural para a Renovação Democrática da Alemanha.

Dentre eles, os do casal de operários Otto e Elise Hampel, que Hans usou como inspiração para o romance.

Eficaz em dimensionar a atmosfera bélica na Alemanha em guerra, a narrativa é também inteligente e ágil.

Em 72 capítulos, entrega-nos um recorte poderoso sobre um período obscuro da História, feito reforçado pelos pertinentes arquivos em anexo inseridos no material, tais como dados biográficos, fotos da Gestapo dos personagens que inspiraram a trama e fotografias e recortes de jornal.

Policial

Vitor Abdala e seu "Caveiras: Toda tropa tem os seus segredos", publicado pela Editora Generale, é outro que merece atenção pelo material que lançou no ano passado. O escritor carioca - cuja família paterna é toda nascida no Ceará - volta-se para a realidade do Estado onde é natural e acrescenta mais uma camada de reflexão sobre o mordaz cotidiano que aflige a juventude.

Legenda: Vitor Abdala entremeia diversos gêneros literários no livro "Caveiras"
Foto: Foto: Fernando Frazão

Em linhas gerais, o romance gira em torno de Serginho, 12 anos, executado com um tiro na cabeça dentro de casa por cinco homens fardados de preto, na favela. A mãe do garoto insiste em dizer que são os policiais da tropa de elite, algo que Ivo, jovem repórter de um jornal, deve investigar baseado em fatos que o colocarão frente a frente com certas verdades inconvenientes.

Em entrevista ao Verso, Abdala, jornalista que cobre assuntos da área policial desde 2004, esclarece que o livro ganhou singular textura devido ao ofício que executa.

"Minhas experiências foram fundamentais, não só para descrever como acontece uma operação, como também para construir cenas mais realistas e conceber personagens policiais que pareçam com policiais de verdade. Assim como Ivo, sou casado e tenho um filho pequeno, e sofro com um pouco de ansiedade. Mas as semelhanças com o personagem param por aí", pontua.

As linhas - certeiras e ácidas - apontam para percursos narrativos múltiplos, investindo nos gêneros policial, fantasia e horror. Vitor, entretanto, pondera: "A obra não é um ensaio sobre a violência pública no Rio. É uma ficção, cujo principal objetivo é entreter o leitor que goste de um bom suspense policial. Mas, como jornalista, cidadão e estudioso do tema, não poderia deixar de usar a história para levantar questões importantes nessa área". Ponto para o escritor.

Travessia

Livro de estreia da paulistana Aline Bei, "O peso do pássaro morto" é tudo, menos um romance convencional, apesar do tema que o integra: as sucessivas perdas pelas quais passamos. A autora explica que utilizou a literatura exatamente a serviço desse assunto, tornando-a, na obra, instrumento de investigação do verbo "perder" no corpo de uma mulher em diversas fases da vida.

Legenda: Estreante, Aline Bei é vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura
Foto: Foto: Marcelo Nakano e Natália Veronez

Dito e feito. Dos 8 aos 52 anos de idade e com uma fluidez e sensibilidade primorosas, a narrativa atravessa os distintos períodos e faz deles como que pequenos relicários de lembranças - ora singelas, ora assustadoras e indigestas. A ideia para concebê-lo assim, segundo Aline, surgiu com o título.

"Estava caminhando pela rua e me veio a frase 'O peso do pássaro morto'. Assim que cheguei em casa, anotei em um post-it e fiquei convivendo com essa imagem. Na verdade, uma memória de infância, quando um canário morreu na minha mão", rememora. Não à toa, o primeiro trio de linhas que concede ao leitor, em formato de dedicatória, é: "Ao canário que, assustado em caber na palma, morreu na minha mão".

Falando em linhas, chama a atenção a forma como o livro é narrado. Apesar de ser um romance, as ideias esparramam pelas páginas em versos, um jeito de dizer que reflete uma pesquisa, da parte de Aline, que antecede e ultrapassa o livro. "Gosto das possibilidades estéticas que esse estilo pode me oferecer, já que as palavras, muitas vezes, não dão conta das sutilezas da narrativa", avalia.

Podendo ser lido de um fôlego só pelo ágil fluxo do contar - mas desaconselhável em acompanhar assim pela alta voltagem de emoções que engloba, merecedoras de reflexões - "O peso do pássaro morto" deu à sua autora o merecido destaque na última edição do Prêmio São Paulo de Literatura, concedendo a Aline Bei o título de melhor escritora na categoria estreante com menos de 40 anos. Um pontapé gigante para um livro maior ainda.

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