Ganhador do Prêmio LeYa, autor Itamar Vieira Junior fala sobre sua obra

Escritor baiano, que também é finalista ao Prêmio Jabuti em 2018, torna protagonistas aqueles à margem

Escrito por João Neto , joao.lima@diariodonordeste.com.br
Legenda: O romance com o qual Itamar Vieira Junior venceu o prêmio será publicado em Portugal em 2019

Das páginas perdidas de um romance juvenil a um prêmio de caráter internacional. "Torto Arado", do escritor baiano Itamar Viera Junior, nasceu dos dedos do adolescente que queria falar sobre amor, mas ganhou corpo ao tratar de problemas sociais. Entre 348 publicações de 13 países, venceu o Prêmio LeYa de Literatura no valor de 100 mil euros com a publicação ainda inédita.

Os jurados destacaram no trabalho de Itamar a "solidez da construção, o equilíbrio da narrativa e a forma como aborda o universo rural do Brasil, colocando ênfase nas figuras femininas, na sua liberdade e na violência exercida sobre o corpo num contexto dominado pela sociedade patriarcal".

Aos 11 anos, o baiano ganhou uma máquina de escrever dos pais. "Na época, o computador já existia, mas não era tão acessível", conta. Aos 16, o impulso dos hormônios falou mais alto. "'Torto Arado' era um romance de duas irmãs em uma comunidade rural. O título veio dos versos de Tomás António Gonzaga, do poema 'Marília de Dirceu', algo que ficou na minha mente. Na época, escrevi 80 páginas. Mudamos de casa e a história se perdeu. Não dei continuidade, não tinha maturidade. Fui fazer outras coisas. Fiz graduação, mestrado e doutorado e comecei a trabalhar", explica.

Vieira caracteriza "Torto Arado" como um romance de formação. A história gira em torno de uma comunidade de trabalhadores, em um fazenda no sertão da Bahia, e é narrada pelas duas irmãs protagonistas. Já o fim é narrado por um espírito que atravessou o Brasil colonial e o período da escravidão, e que tenta intervir na realidade. O romance será editado em Portugal no primeiro trimestre de 2019.

Inspirações

Geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Itamar Vieira afirma ser influenciado pela academia na hora de escrever. "A geografia foi um começo. Terminei realizando o doutorado na área de antropologia de estudos étnicos. As ciências e a geografia têm presença forte na minha obra. Quando estou narrando a terra e os lugares, tento dar uma densidade que transforme essa paisagem em personagem. Que ela transite de forma autônoma e interaja com leitor o tempo todo", explica.

Ele ressalta que no meio literário o Brasil tem produção vigorosa, mas sem destaque para tipos humanos das classes mais humildes. "O assunto 'trabalho' na literatura brasileira ainda é muito marcado pelos dramas da classe média branca. Vejo poucas obras que tratam de personagens à margem, como a empregada doméstica, o porteiro ou o agricultor. Eles existem, mas não ganham o protagonismo".

Ao falar de incentivos públicos na literatura, Itamar pontua a ausência de grupos de estudos e a carência de formação. "O Brasil é um país profundamente desigual. Não acolhe as minorias e é gestado por poucos. Temos uma sociedade brutalizada pela violência endêmica. Tudo isso implica nas questões sociais", critica. "A literatura é política, como todo ato dentro da arte. Ela tem a capacidade de humanizar, as pessoas se colocam no lugar dos personagens. É uma forma de comunicar a experiência humana", completa.

Além de ter faturado o LeYa, Itamar é um dos finalistas ao Prêmio Jabuti deste ano, com o livro de contos "A Oração do Carrasco". A publicação é uma coletânea que discute problemas diversos e fala dos excluídos da sociedade.

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