Exposição gratuita em Fortaleza propõe olhar lúdico aos visitantes

Mostra "Ponto por ponto, linha por linha, palavra por palavra - Ler, bordar e outros modos de desenhar o mundo" fica em cartaz até 20 de dezembro

Escrito por Izabel Gurgel , izabelrosagurgel@gmail.com

Alba Alves faz do silêncio a matéria do seu trabalho. Farra, festa, folia do silêncio, como nos livros em pequenos formatos, nas séries Hai Kai|Poesia para usar, nas caixas|colagens|caligrafias e tecidos bordados que a artista do Cariri expõe no CCBNB Fortaleza em "Ponto por ponto, linha por linha, palavra por palavra - Ler, bordar e outros modos de desenhar o mundo". Uma ação da Jangada Literária, a mostra reúne solistas e grupos como o Iluminuras-Literatura e Bordado|UFC, Café com Bordado e Pé de Sonho|Projeto Criança Feliz. Em cartaz até 20 de dezembro, é um programa para ir com as crianças. Ou feito criança.

E não só para ver o palhaço e o pássaro do Dim, o menino de Camocim que fez com Ângela Madeiro o Museu BrinqueDim. Ir feito criança não só para folhear "Da Cor do Norte", livro no qual o fotógrafo Jarbas Oliveira e o escritor Paes Loureiro mostram como vivem mulheres e homens que cuidam da criação dos brinquedos de miriti, a madeira leve que deu um destino forte à Abaetetuba, no Pará. A cidade é uma oficina de sonhos que se espalham mundo afora a partir da fé como experiência da alegria em torno do Círio de Nazaré.

As crianças nos ensinam a olhar. Olhar com o corpo todo. Como faz José Cornélio de Abreu, de Campo Maior, Piauí, com suas esculturas em madeira. Mestre Cornélio expõe o totem que é um teatro vivo, o mundo como ele é e as crianças nos lembram de assim apreendê-lo: o mundo se bulindo o tempo inteiro.

Com as crianças por perto, cheias de olhos e perguntas - os netos Martín e Santiago -, Virgínia Fukuda bordou a viagem pela Estrada Real, Minas Gerais. O mapa atualiza a compreensão de viagem como abertura para o que não se conhece, e toca no fio que nos diz respeito: o do desejo, necessidade e vontade de ficção. Ao lado do mapa, expõe uma blusa-monumento, no sentido de feito para lembrar. Linha branca sobre linho rosa-magenta, desenhos mínimos estampam a peça: lugares, acontecimentos, pessoas. Um marco dos seus 42 anos em Fortaleza. Virgínia fez para usar.

Legenda: Livro "Da Cor do Norte" mostra como vivem mulheres e homens que cuidam da criação dos brinquedos de miriti
Foto: Foto: Divulgação

Ela aprendeu a bordar com a mãe, que também lhe ensinou a ler. "São as duas coisas mais importantes hoje na minha vida (depois dos netos)", conta. "A leitura e o bordado". Ficção e família, ponto por ponto, foram uma aprendizagem delicada, potente para mulheres e homens do Café com Bordado. Oito obras da série Núcleo estão expostas: "Unheimlich|Estranho Familiar", de George Ulysses, "As flores" e "Os frutos", de Lourdes Bernardo, e mais cinco feitos por Virgínia. Bordado sobre fotos familiares, a série aciona a memória como a imparável ilha de edição que ela é.

As narrativas não cessam de brotar. De modos distintos, George, Virgínia e Lourdes nos lembram do mundo e do viver como experiências de migração.

É perene a condição de inventar uma vida para si. Kikue Ezawa chegou ao Brasil com um ano e dois meses, dezembro de 1924. Hiroshi Fukuda, em março de 1928. Ele tinha 14 anos. Vão se conhecer em São Paulo. Uma das fotos escolhidas pela filha mostra os pais em baile de carnaval.

Lourdes também aprendeu a bordar com a mãe. A foto do casamento dos pais - Maria do Carmo Agostinho Bernardo, bordadeira de profissão, e José Nilson Bernardo - é uma das que mais gosta. "A presença de um fotógrafo era coisa de luxo. Dois dias depois de casados, vieram até Fortaleza, de ônibus, vestidos de noivos, para serem fotografados". Os pais são "As flores". A meninada, "Os frutos", viveu "parte da infância em uma colônia japonesa em Guaiuba, o Núcleo Colonial Pio XII", conta Lourdes.

Literatura bordada

O Iluminuras mostra 12 dos trabalhos realizados a partir d"A Casa", de Natércia Campos. Realiza-se, com a excelência que marca a produção do Iluminuras, "a revelação artística de um ato de ler". O grupo é uma nascente a dar passagem a artistas de rigor e primor na criação|execução. É da ordem do espanto a primeira visão de "Assim contaram os ventos", de Lúcia Galvão. As visões seguintes também. O Iluminuras borda pra gente voar, como em "Os pássaros tecelões", de Neuma Cavalcante.

Legenda: Obra de Alba Alves apresenta livros em pequenos formatos
Foto: Foto: Thiago Gadelha

Sim, leve criança com você. Para ver, moldada em cerâmica, a menina imaginada por Vera Moraes ao ler "O Vestido de Laura", de Cecília Meireles: "O vestido de Laura/é de três babados/todos bordados". Vera é de Alagoas, tem 91 anos e vive em Recife, onde foi médica e professora. O livro de tecido com pontos, volteios e amarrações, é um caderno de aluna aplicada como foi Ivânia Monteiro Barreto no Transbordando, ateliê de Juliana Farias.

A mostra dialoga com o espaço-sede do CCBNB. O prédio abrigou por anos o mercado central da cidade, destino de grande parte da produção de um mundo feito à mão em vários mundos, a maioria deles nos quatro cantos do Ceará. Como a Estrada do Canaan, Trairi. É de lá, feita por mãos rendeiras da Associação dos Produtores de Artesanato de Timbaúba, uma capa de almofada que nos lembra grandes coloristas. Composição pictórica também na primorosa elaboração da blusa de crochê feita por Zaíra Esmeraldo, provavelmente entre os anos 1960 e 70.

Sim, vá feito criança. Olhe a Iracema desenhada por Raísa Christina para espetáculos da bailarina Rosa Primo desenvolvidos via escola Porto Iracema. E desfrute da literatura portátil publicada pelo Dragão do Mar nos anos 2000, com o então Núcleo de Literatura sob a coordenação de Carlos Augusto Lima. Com curadoria e projeto gráfico de Eduardo Jorge, estão expostos exemplares de três edições: "Ninguém", Leonilson + Virna Teixeira, "Este lado para cima", Rose do Assu e Borges + Ruy Vasconcelos, e Simone Barreto + Eli Castro, "Não há olhos para este céu".

*Izabel Gurgel é jornalista e curadora da exposição

Serviço
Ponto por ponto, linha por linha, palavra por palavra. Ler, bordar e outros modos de desenhar o mundo
Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB Fortaleza)
Até 20 de dezembro de 2018
Visitação: terça e quarta das 10h às 18h - Quinta a sábado das 10h às 19h.
Parte da programação inclui: Mar de Leituras, da Jangada Literária.
Livre para todas as idades - Grátis
Endereço: Rua Conde D`Eu, 560, Centro

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