Valor histórico da Arquitetura Moderna na Capital se perde no tempo
Preocupados em documentar e conservar obras localizadas em Fortaleza, datadas das décadas de 1930 a 1980, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) criaram o "Guia da Arquitetura Moderna"
Certa manhã, Fortaleza recebeu uma carta. E de alerta. O remetente - a unidade cearense do Núcleo de Documentação e Conservação do Movimento Moderno (Docomomo) da Universidade Federal do Ceará (UFC) - frisava o direito à Arquitetura Moderna, aquela produzida no Brasil entre as décadas de 1930 e 1960, e no Ceará a partir dos anos 1950. Ainda pouco privilegiada do ponto de vista de valor como patrimônio cultural e histórico, de acordo com os pesquisadores do Núcleo.
Com o propósito de documentar e conservar as obras, pesquisadores do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da UFC criaram o "Guia da Arquitetura Moderna em Fortaleza", um inventário, atualmente em fase de modelagem digital, de 51 destas construções ao redor da cidade. "Trata-se de uma tecnologia de desenho que documenta, representa, e modela, por meio da plataforma de projetos 'Building Information Modeling (BIM)'. Tem o intuito de valorizar a memória e estimular a preservação deste importante acervo arquitetônico", frisa uma das criadoras da unidade cearense do Docomomo, professora Beatriz Diógenes.
Das 51 obras catalogadas pelo Laboratório de Crítica em Arquitetura, Urbanismo e Urbanização (Locau) da UFC, apenas duas são tombadas em âmbito estadual: O Palácio da Abolição e seu Mausoléu. Nenhum equipamento é reconhecido a nível municipal e federal. O Guia reúne informações das obras, datadas de 1960 a 1982, bem como sobre os responsáveis por elas. Entre elas estão, por exemplo, a Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel (em obras há três anos), o Shopping Center Um (primeiro estabelecimento do tipo na Capital), 13 equipamentos da UFC e o prédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Por estarem em diferentes escalas de poderes responsáveis, as obras têm também diferentes estágios de tratamentos e cuidados, como a sede da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) (Prefeitura de Fortaleza), a capela e o mausoléu do Palácio da Abolição (Governo do Ceará), o prédio da Justiça Federal e a Residência Benedito Macêdo (do grupo Dias Macêdo).
Semelhanças
Os equipamentos revelam suas semelhanças, de formas inspiradas no movimento europeu: plantas, fachadas e estruturas independentes; pilotis, terraço-jardim e janelas em fita; e o emprego de formas geométricas puras. "O funcionalismo, a racionalidade, padronização, a ausência de adornos, a coerência entre a tecnologia e a forma final", explica Beatriz Diógenes. A preservação, no entanto, não deve ser desconsiderada. A fachada da Justiça Federal já não tem identificação. O Esplanada Praia Hotel, por sua vez, já nem existe mais.
"Evidentemente, um edifício precisa de constantes cuidados e manutenção. É premente a necessidade da conscientização da população de maneira geral e dos agentes responsáveis pela produção da cidade da importância de se manter esses edifícios emblemáticos de um período recente da nossa arquitetura", reforça Beatriz. A Carta enviada a Fortaleza pede a captação de recursos, a divulgação de denúncias sobre situações de ameaças aos conjuntos urbanísticos, paisagísticos e arquitetônicos modernos, promover a integração dos núcleos envolvidos e acompanhar as ações do Núcleo de Documentação.
"A desvalorização da arquitetura moderna se justifica em grande medida pela dinâmica da urbanização contemporânea, identificada com a mercantilização de tudo e a supremacia do "consumo" do espaço, acelerando o processo de destruição e (des)construção e comprometendo a permanência dos artefatos urbanos e arquitetônicos de vários tempos passados", destaca a Carta.
Segundo Beatriz Diógenes, infelizmente, muitas vezes, o valor imobiliário do imóvel (no caso, o terreno) se sobrepõe ao valor cultural. "Grande parte do acervo moderno de Fortaleza - no caso residências construídas no bairro da Aldeota - foram demolidas e substituídas por edifícios altos", frisa. "Mais uma vez, destaco a importância da conscientização das obras modernas. Falta cuidado ou mesmo reconhecimento do valor e importância desta arquitetura pelo Poder Público. Seria fundamental um debate acerca dessa problemática".